25.9.06

TPM

Alimento o cérebro com migalhas, enquanto o coração passa fome.

Lugar pra se falar sobre tudo e sobre o nada.

Utilidade pública

Seus amigos intelectualóides citam autores que você não leu? Quer aprender a ser pernóstico como eles? Está cansado de ler longas orelhas de livros pra fingir que é erudito?

Seus problemas acabaram! Nós do Botequim Socialista Inc. criamos para o seu conforto os micro-resumos de clássicos da literatura, filosofia e política. Quem precisa da Wikipedia ou do Google? Feche esse livro e vá ver TV!

Micro-resumos pra quem não gosta de ler

Bocaccio - Decameron
Dez jovens se reúnem num palacete pra fugir da peste. Todo mundo fala muito, mas ninguém come ninguém!

Chordelos de Laclos - As Relações Perigosas
Conde safado seduz mocinha com ajuda de condessa mais safada ainda. Depois descobre que estava cansado da safadeza, mas aí Inês é morta. Fim.

Saramago - Ensaio sobre a Cegueira
Epidemia de cegueira mostra a verdadeira face do ser humano. Como só uma moça não ficou cega, ela foi a única que viu. Fim.

Clarice Lispector - O Livro dos Prazeres
Mulher passa a história inteira na maior piração pra decidir se dá ou não.

Salinger - O Apanhador no Campo de Centeio
Sou um adolescente incompreendido, vou fugir por uns dias para ver se chamo a atenção de alguém. Fim.

Platão - Apologia de Sócrates
"Só sei que nada sei, e vocês, manés, sabem menos ainda!" Fim.

Goethe - Os Sofrimentos do Jovem Werther
Ninguém me ama, ninguém me quer, ninguém me chama de meu amor! Adeus!

Émile Zola - Germinal
Mineiro só se fode. Fim.

Adolf Hitler - Mein Kampf
Minha vida de emo.

Maria José Dupré - Éramos Seis
Cinco, quatro, três, dois, um!

Karl Marx - O Capital
Existe a burguesia, essa malvadona. Existe o proletariado, explorado pela burguesia malvadona. Fim.

Nietzsche - Ecce Homo
Filósofo maluco diz que é o fodão. Fim.

Obras completas de Charles Bukowski
Malucão bebe todas, come um monte de mulé e vive entrando em cana. Fim.

Dostoievski - Os Irmãos Karamazov
Quero que meu irmão se dane! Fim.

Gogol - O Inspetor Geral
O sr. sabe com quem está falando?

Maquiavel - O Príncipe
"Magnífico Lourenço de Médicis, eu conheço o esquema, me arranja um emprego aí vai!"

Velho do Farol

Aforismo Nº3 - Pode-se tudo que é possível.

(…)

VIDEOCLIPE – FLASHBACK EM TOM SÉPIA, CENAS COM BASTANTE CORTES. LOC.OFF

1) Atenas, ano 314 a.C. Teofrasto, com 48 anos, foi nomeado dono da escola onde Aristóteles lecionara até então, antes de se refugiar em Cálcis. Muitos foram os que julgaram que Teofrasto não podia dirigir a escola, pois estava lá havia menos tempo que outros discípulos. Conversavam seu descontentamento no pátio da escola, sempre na ausência de Teofrasto. Este sabia da oposição que havia dentre os demais, mas nunca trouxe o assunto a público. Apesar das queixas, ninguém nunca sugeriu ou fez nada para substituir Teofrasto na direção, e ele presidiu à escola peripatética por 35 anos.

2) Calígula havia escapado aos assassinatos de vários de seus familiares e foi aceito no governo de Tibério, seu tio-avô (que ordenara os crimes). Quando o imperador morreu, em 37, o testamento designava Calígula como herdeiro, em conjunto com Tibério Gemelo, neto do falecido. Dois dias depois da morte do tio-avô, fez com que o senado romano anulasse o testamento e proclamou-se imperador sem parceiros, mandando assassinar Gemelo pouco tempo depois. Cassius, um de seus guardas, que assassinou Gemelo, e a quem Calígula sempre ridicularizava, o assassinou 4 anos depois. Todas as ações aqui relatadas eram proibidas por lei.

3) Milan Kundera escreveu vários romances utilizando a cidade de Praga, em 1968, invadida pelos russos, como cenário, e tenho certeza que o sábio homem me entende. Os checos podem dizer o que for, que as botas dos russos eram cafonas, que o nome Nikita Kruschev é de menininha, que os motoristas dos tanques, que sitiaram a cidade de Praga, são barbeiros, tudo, menos que a Rússia não podia fazer aquilo. Mas é claro que podia. Podia até que fosse impedida.

4) Em 2005, meu pai me disse que eu não podia pedir demissão, depois de trabalhar por 5 anos em uma empresa em que me tornara chefe do departamento, para ir mochilar no Chile. Pelos relatos de Novembro e Dezembro do mesmo ano, vocês podem atestar o equívoco de papai.

Whaddafuck

24.9.06

Abaixo da Superfície

Estou no meio de uma reforma. Uma reforma que eu adiei alguns anos e que, enfim, começou a surgir por trás do quebra-quebra. Para não correr o risco de ver o tamanho da bagunça, pedi ajuda profissional. Alguém que me entregasse aqueles destruídos cômodos com os devidos retoques, curativos, pintura nova e, se possível, uma decoração que não deixasse lembranças dos estragos causados pelo tempo.
Fiz o possível para não ver nada. Fechei os olhos. Ouvia os barulhos, desviava dos pedreiros e abria a porta somente durante a madrugada. Acendia todas as luzes, procurava defeitos, reclamava sozinha da demora. Um dia, no fim de um dia, acordei de mau humor e decidi pedir que acabassem logo com aquilo. Eu queria acordar em outro lugar...

- Cadê o pedreiro?
- Já foi. Disse que precisava sair com urgência e que não tinha caçamba pra retirada do entulho. Você vai ter que dar um jeito de tirar o lixo de lá durante a noite se quiser que eles continuem o trabalho amanhã de manhã.


Olhei para aqueles sacos espalhados e pensei em jogá-los em caçambas alheias. Já era madrugada, ninguém perceberia. Madrugadas fazem cair as máscaras... Tentei erguer um dos sacos de entulho e achei pesado demais para uma noite de lua e vento gelado. Vesti um casaco e fechei a porta. Sai dali antes que a poeira me causasse algum tipo de alergia. Voltei para a cama e apertei os olhos...


- Que barulheira é essa?
- O pedreiro!
- Que horas são?
- Onze da manhã.
- E ele só chegou agora?
- Só. Ele quer conversar com você.
- Diz pra esperar vinte minutos.
- Ele disse que está com pressa.
- Diga que eu estou com sono.
- Você precisa começar a me pagar pelos recados que manda.
- Você já recebe até para me dar bronca.

Quarenta minutos depois...

- Boa tarde!
- Oh, dona... Tarde. A senhora me desculpe...
- Só um minuto... Quem é o senhor?
- Ah, me perdoe. Eu sou o pai do Cristóvão.
- E o que aconteceu com o Cristóvão?
- Ele pediu que viesse eu porque ele está muito enrolado com outra obra e...
- Mas o senhor sabe arrumar esse piso?
- Fui eu que ensinei o trabalho pro meu filho, dona! Tô velho, mas sei o que fazer. Só tô um pouco cansado... Por isso atrasei.
- E o senhor me chamou para?
- É que eu vou ter que sair mais cedo porque minha mulher tá com câncer no corpo todo, sabe? Ela tinha um tumor há uns cinco anos e a senhora sabe como é a ignorância do povo, né? Na época ela não quis tratar e rasgou o tumor por conta e risco na cozinha lá de casa. Agora tá que não agüenta nem andar... O médico desenganou. E eu tenho que carregá-la nas costas de tão fraca que a pobre ficou. Grandona ela... Maior que eu! Mais alta que a senhora. Minhas costas tão que tão arrebentadas sabe, dona? Ainda errei o caminho, desci numa avenidona lá pra baixo e subi esses morros todos a pé até encontrar o endereço da senhora. Nem sei mais o que fazer da vida... Mas a senhora num se preocupe não porque até o fim do dia eu acerto esse piso todo. Já enfiei aquela bagunceira em sacos de lixo e deixei na calçada. É torcer pro lixeiro levar.
- Carregou aquilo tudo sozinho?
- O que são dez sacos de entulho pra quem carrega um fardo como o meu na vida, dona?
- Não é melhor o senhor ir pra casa cuidar da esposa? Eu falo com o Cristóvão depois.
- Não, não! Pra mim é uma alegria trabalhar porque é quando eu esqueço da vida. Duro mesmo é ir pra casa ou pro hospital e ver a minha preta naquele estado... Eu só queria mesmo pedir desculpas pra senhora pelo atraso.


Voltei para o quarto depois de tomar um café com o pai do Cristóvão. Fechei a porta, avisei que não queria atender o telefone e me joguei na cama de barriga para o alto. Fiquei um tempo olhando a cortina e as frestas de luz que entravam pela janela e dançavam refletidas na parede. Meus lençóis gelados e as fronhas de percal distraindo meu desconforto. O som distante da minha braço-direito-esquerdo cantarolando na cozinha se intercalava com o som da marreta quebrando o piso.
O que será de mim se, um dia, eu precisar carregar sozinha os meus sacos de entulho? O que será de mim se, um dia, os dias se tornarem mais sombrios do que as minhas madrugadas chorosas por coisa nenhuma? O que será de mim o dia que eu tiver que encarar os meus males ao invés de rasgá-los como faz a mãe do Cristóvão? O que será das minhas costas se for preciso carregar alguém maior que elas? O que será da minha arrogância se, um dia, eu depender da sua bondade? O que será de mim o dia que reformas não bastarem pra esconder meus alicerces? O que será de mim se eu tiver que confessar que não sou forte?

AlêFélix - Licor de Marula com Flocos de Milho Açucarados

22.9.06

a geladeira não é minha.

A geladeira é do meu primo.

Comprei a máquina de lavar, ele comprou a geladeira. Foi um acordo. A gente tirou no par-ou-ímpar. E quem tirasse a máquina, tinha que comprar um ferro de passar também. E foi assim.

Sendo a geladeira dele, achei que não devia vetar aquela maravilhosa idéia de abrigar em "nossa" geladeira, mais precisamente em "nosso" congelador, a comida do amigo sem casa que surgiu. Amigo dele, entenda. Que veio de Recife pra cá. Também. E tava morando nesse apartamento que tinha uma grande geladeira.

O pai do tal menino veio de Recife pra cá. E se deparou com a ausência de comida na casa do filho, e percebeu que o menino tinha perdido peso, tava meio pálido, meio doentinho mesmo, foi bem aí depois dessas constatações todas que o velho foi e agarrou o filho pelo braço arrastando-o assim até o supermercado, onde comprou Todo o Estoque de Comida Congelada que lá havia (sadia e perdigão, esse tipo de comida congelada).

E foi embora e o menino ficou com toda a comida congelada do universo em casa.

Mas teve que se mudar alguns dias depois, veja só que peça o destino pregou em todos nós.

Sim, eu disse em todos nós. Mesmo nós, nós que sequer sabíamos que essa pessoa existia. Nós, que tentávamos viver nossas vidas em paz. Nós.

E.

O menino foi e se mudou prum flat.

Que só tinha um único frigobar. Pra toda aquela comida.

Compreenderam então o que aconteceu, né? Toda A Comida Congelada Do Universo. No congelador mais proximo de você. Porque amigo é coisa pra se guardar debaixo de sete chaves dentro do coração assim falava a canção.

Mas seu eu pego, mas se eu PEGO Milton Nascimento na virada da esquina.

So here we are. Sem congelador.

O tempo vai passando. E vai passando. As páginas da folhinha voam. Faz frio. Faz calor. Faz frio de novo. Vem chegando a primavera. O menino prometeu que viria aqui nos fins de semana. Pra comer, né. E não veio uma vez sequer. E as pessoas não querem comer a comida do menino. Porque vai que depois faz falta, né? Ó, acho melhor tu ligar pra ele. Porque tem 3 caixas de hambúrguer vencendo na sexta-feira. Três. Ou ele vem e come tudo, ou a gente vai ter que fazer uma... ahm... uma hamburgada?

Então o roomie ligou.

E a novidade é: o menino foi simbora pra Recife.

Pra sempre.

Do tipo não vai voltar mais. Não vai voltar nunca mais.

Já faz duas semanas. E eu nem precisei perguntar o motivo.

E esse viadinho escroto nem pra avisar? Eu me privando de coca light com gelo durante todos esses meses? Screw you guys.

Mas e agora?


Em que microondas as pessoas "cozinharão" essas tais Tirinhas de Carne ao Molho de Vinho com Purê de Batatas e Vagem? E o Filé de Frango com Gratinado de Brócolis, Cenouras e Arroz Primavera? E os pedaços de bode? O que eu vou fazer com esse bode, meudeus. É um bode de verdade, o bicho. Num é o meu bode espiritual, não. O pai do menino mandou matar um bode, esquertejou o coitado, colocou nuns sacos plásticos e trouxe pra São Paulo.

Todo-um-BOOODE!

Hein, hein?

(…)
the only living girl in gumercindo village

A Mansão Foster Para Amigos Imaginários

Uma e meia da manhã, liga o cliente:
- Fal, te acordei?
- Acordou (as pessoas não esperam essa resposta, ela querem que vc diga "Nããããão, eu tava praticando sapateado")
- Er... hum... ai.... desculpa, é que eu não consegui dormir pensando no trabalho.
- Sei, e vc não quer que eu durma tb.
- Rárárá, Fal, vc sempre divertida... em que parte vc está?
- Mais ou menos na metade.
- Mas assim, em qual parte especificmente?
- Vc quer mesmo que eu levante daqui pra ir ver número de página?
- Não Fal (fungada sentida) deixa pra lá. Esquece.

Na manhã seguinte, liga a caléga:
- Oi Fal, acabo de falar com o Zé Luís e, menina, ele tá super triste, disse que vc foi super grossa com ele.

Vítimas. Estou cercada delas. Eu mereço.

*

- Repete, Fumiga, que eu não entendi.
- Tá, amor, é assim: a gente vai dormir hoje, acorda às 3 e meia da manhã e vai fazer farra com a Maliu no Extra.
- Ah, foi isso que eu ouvi. Achei que tava tendo alucinações auditivas.
- Pô, vai ser tão legal!
- Sei. Vc e sua mãe, soltas no Extra antes do dia amanhecer?
- É.
- Mas é o que, tipo, vcs vão lá nessa hora pq....
- Pq ela tá com dificuldade de dormir e eu não durmo mesmo muito e é um passeio, um programão!!
- Programão!?
- Ai, Alê, como vc é chato, parece que eu sou casada com meu bisavô.
- Rá, se teu bisavô fosse casado com vc, ele te dava uma coça de cinta, Fumiga. E outra na tua mãe. Programa a Telefônica pra chamar a gente, senão a gente não acorda.
- EBAAAAAAAAAAA.
- Tonta.

*

Quando, desesperada, resmungo que não tenho um sapato decente pra calçar, ele revira os olhos. Quando, histérica, brado que não tenho nada pra vestir, ele diz "Ah, Fumiga, pelo amor de deus". Enfim. A lua-de-mel acabou. Esse homem não me entende.

¡Drops da Fal!

E O MP3 CANTA : PSYCHO KILLER, QU'EST-CE QUE C'EST ?

O que será que tem na cabeça um sujeito que, em pleno engarrafamento da hora do rush, depois de esperar por cinco longos segundos, resolve que o melhor a fazer é enfiar a mão na buzina e esquecê-la por lá ? Será que ele acha que todo mundo tá lá parado por pura distração ? Será que ele realmente acredita que tudo o que centenas de carros precisam pra se mover é de um gênio da raça que some o insulto à injúria, o calor e o desconforto ao barulho mais chato do mundo ? Ou será que isso é uma doença, talvez a mesma que acomete os energúmenos que crêem firmemente que, se eles socarem repetidamente e com força suficiente o botão do elevador, ele vai magicamente se materializar no andar pretendido, ou pelo menos se reprogramar sozinho para funcionar no triplo da velocidade ? Será que quem age assim é o mesmo tipo de pessoa que ao ligar por engano no seu telefone – normalmente num domingo bem cedo, na hora do almoço ou quando você está bem no meio de um agradável torneio de nude jiu-jitsu com seu companheiro de cama – continua insistindo que “esse número aí é o da Cleidinha sim, foi ela mesma quem me deu” mesmo depois que você já falou três vezes que a Cleidinha não mora aí, você nunca a viu mais gorda e que, pelamor, ele desligue porque você também tá querendo dar ? E por que será que esse tipo de atitude não é passível de pena de morte em nenhum lugar do universo, ou pelo menos não costuma ser aceito como atenuante muito-muito atenuante no caso de alguma hipotética gordinha neurótica com enxaqueca feroz e estômago instável há uma semana perder o autocontrole e enfiar um canivete de mola cinqüenta e oito vezes no pescoço do infeliz ? Eu acho que devia. Mas bom, sei lá, isso é só uma opinião. Totalmente desinteressada.

Cyn City

21.9.06

NO CROSS, NO (WEIGHT) LOSS

Aí, depois de anos sem fazer nada disso e de meses ameaçando começar e não cumprindo por falta de ânimo, grana, tempo, grana, estacionamento ou grana, finalmente comecei a fazer exercício. Desisti da hidroginástica, ou hidrobike (que imaginei que detestaria menos do que outras modalidades, já que não iria me sentir suar, estando dentro d’água) porque nunca tem lugar pra estacionar na porta da academia de natação/hidro etc. que eu queria freqüentar. E sim, fica perto, pertíssimo da agência, e se eu tivesse vergonha na cara dava perfeitamente bem pra ir a pé, mas depois que eu fui assaltada com revólver na cara há dois anos, venho ficando progressivamente mais medrosa e covarde a cada dia que passa. Fora isso tem a preguiça, que além de grande, é enorme. E ah, peraê, se eu quisesse andar, ia fazer esteira ou caminhada logo, né não ? Bão, aí uma colega falou de uma outra academia que tem aqui perto e ela tá fazendo aula lá e putz, se ela tem sessentinha e dá conta, é bem possível que minha frágil e flácida pessoa vinte anos mais nova que isso também consiga, né ? Além do mais, gostei dos principais pontos de venda do boteco : primeiro, a academia é só pra mulher, eliminando reduzindo drasticamente a possibilidade de paqueras, o que diminui significativamente o contingente de babaquinhas caçadoras de emoções e monopolizadoras de aparelhos; não havendo homens, não há desfile de roupitchas, nem de peruas maquiadíssimas, e felizmente também de nenhuma sílfide escultural, pra passar raiva e inveja em nosotras, las viejitas fofas; não sei se por causa do corpo discente predominantemente rechonchudo, não há espelhos a não ser no banheiro, o que nos livra de descobrir, numa olhadela casual, que aquela bunda de hipopótamo que você tinha vislumbrado ali à direita no leg press é nenhuma outra que não a sua própria; a rotina de exercícios é feita em meia hora, incluindo aquecimento e alongamento, e as séries são feitas em circuito, sem pausa entre os aparelhos; é tudo totalmente individual, portanto não tem como colocarem você pra fazer algum exercício junto com alguma mulé suada que você nunca viu e poderia perfeitamente bem continuar sem ver e, mais importante ainda, sem TOCAR, pelo resto da sua vida. E o principal : tem estacionamento na porta, com segurança/manobrista educadíssimo. Então fui lá testar o terreno. E a mocinha-bonequinha-gerundista que me atendeu foi tão gentil e fofa que eu nem consigo falar mal dela, por mais que ela tenha me contado, com ar compenetrado e terminologia simplificada, pra tia burra aqui entender, coisas sobre fisiologia e exercícios e saúde e o caraglio d’oro que eu já tava careca de saber – e algumas até de praticar - quando ela ainda nem era um ovinho de codorna no prato do seu jovem papai. Aí me pesaram, me mediram (aparentemente, já encolhi um centímetro ou dois), me fizeram tirar todos os meus anéis e pulseira e relógio e segurar um aparelhinho que passa corrente elétrica pelo corpo da gente e diz o percentual (percentual ? porcentual ? anyone ?) de gordura no corpo do vivente. A corrente elétrica em si é fraquinha e totalmente imperceptível, mas o choque que eu levei ao ouvir a bonitinha dizer que eu tô com mais ou menos 37% de gordura corporal foi de arrepiar até cabelo encravado em cotovelo com psoríase (não, num tenho isso não, é só jeito de dizer, oras. Pêlo encravado em pele supergrossa, entendeu ? Então.). Minha pobre mente corroída pela NTAP galopante, e que além disso sempre foi péssima em matemática e demais ciências exatas, já começou a fazer as contas à sua maneira prejudicada e a decretar que se eu sou formada por 33,3% de água e 37,5% de gordura, praticamente uma ameba, os 29,2% restantes devem ser os ossos pra sustentar meu enorme peso, e portanto eu não tenho um músculo no corpo e, obviamente, nem vísceras. Sabe aquela história de “fazer das tripas coração” ? Comigo não. Eu não tenho coração, babies, sou um bacon vivo, um torresminho ambulante, um vidrinho de Hellwomann’s com pimenta – mas sem o vidro. E foi isso que me convenceu a assinar o termo de compromisso liberando o povo lá de qualquer ônus caso eu caia morta no meio do salão. É que se eu não tenho coração, nem, obviamente, cérebro (da ausência dessa víscera eu já suspeitava há um tempinho), é praticamente impossível que eu venha a sofrer um infarto ou um derrame, mesmo com toda aquela música baiana no último volume, todas as professorinhas adolescentes animadíssimas e gritantes, a vozinha de robô que diz “Mude. De Estação. Agora.” de 30 em 30 segundos e a desoladora paisagem - feminina pra onde quer que se olhe, ugh – ao redor. Mas vamo nessa, né ? Esporte é vida, esporte é saúde, esporte é... um saco. Mas eu não posso mais fugir.


Cyn City

5.9.06

O stand-up da montanha

O judeu, pois, vendo as multidões, subiu ao monte; e aproximou-se a platéia, e ele pôs-se a fazer seu stand-up, dando início a uma tradição étnico-vocacional que iria durar uns bons dois mil anos ou mais:

“Bem-aventurados os humildes de espírito, esses seres geniais – até porque restam pouco de nós hoje, hm?” E eis que um dos discípulos bateu os pratos da bateria, e eis que a platéia riu. E o judeu prosseguiu:

“Bem-aventurados os que choram, porque pagar seis shekels no mercado por um cabrito para o Pessach não tem base. Por Javé, há que se pechinchar!”

“Bem-aventurados os mansos, principalmente os que chegam em casa e pegam a mulher na cama com um centurião romano: dar uma de bravinho numa hora dessas é passar pelo fio da espada, na certa.”

“Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque permanecerão com a silhueta que pediram a Javé, ao invés de engordar comendo ou bebendo bobagem”.

“Bem-aventurados os limpos de coração, porque coronária entupida é o fim”.

“Bem-aventurados os pacificadores, porque serão chamados por termos inomináveis pelo lobby da indústria bélica mas poderão posar de esquerda chique.”

“Bem-aventurados os que são perseguidos por causa da justiça, porque haverá um tempo em que será totalmente in ser presidiário, e ainda por cima controlar uma rebelião sem sequer sair da prisão”.

“Bem-aventurados sois vós, quando vos injuriarem, perseguirem e disserem todo o mal contra vós por minha causa, pois podereis retrucar ‘ei, eu vi o primeiro stand-up dele e já percebi que não tinha a menor graça!’ “

E a todas estas se ria muito a multidão, e o judeu continuava:

“Vós sois o sal da terra; os sírios são a massa; os egípcios a calabresa; os bretões a cebola e os gregos as azeitonas: cuidai que os romanos estão aí a inventar um novo prato para patentear e comercializar no futuro.”

“Vós sois a luz do mundo – então virai um pouco para lá, pois nada pior na hora de fazer um stand-up do que o facho do holofote na cara.”

“Não pensai que vim destruir a lei ou o que disseram os profetas: os escribas semi-analfabetos já cuidam disso.”

“Ouvistes que foi dito: Não adulterarás. Eu, porém, vos digo que todo aquele que sequer olhar para uma mulher para a cobiçar deverá pensar antes nas juntas de bois, nos côvados de terra, nas vinhas e nas oliveiras que a esposa levará depois do divórcio – e então aquietará seu cajado.”

“Se o teu olho direito te escandaliza, arranca-o fora. Se tua mão direita é motivo de escândalo, corta-a e a lança longe de ti. Mas pára com os escândalos por aí, ou esta auto-flagelação reduzir-te-á a um bizarro homem-tronco”.

“Ouvistes que foi dito: Olho por olho e dente por dente. Eu, porém, vos digo que a qualquer um que vos bater na face direita – sinalizando pois um desafio para duelar – optai pelo velho olho por olho e dente por dente mesmo, que é mais prudente acabar cego e banguela do que perecer em um duelo ridículo”.

“Ouvistes que foi dito: Amarás ao teu próximo e odiarás ao teu inimigo. Eu, porém, vos digo: amai vosso próximo, odiai vosso inimigo e contai com um bom advogado”.

“Olhai as aves do céu, que não semeiam, nem guardam provisões, pois já têm quem faça isso por elas. Olhai os lírios do campo, que não trabalham nem fiam, pois sabem que há quem proverá tudo para eles. Ou seja, acabais de ouvir a primeira metáfora para a mãe judia”.

E mais e mais a multidão se ria, e a cada bem-aventurança do judeu o discípulo batia os pratos, e cada vez mais a platéia se animava. Eis então que o judeu foi chamado a um canto por um homem, que lhe apresentou um cartão, disse ser um agente e pediu ao judeu para procurá-lo na segunda-feira. Entretanto ele advertiu: “Só cuidai para evitar piadas com a mulher de Herodes. O stand-up que te antecedeu, o Batista, incorreu nesta imprudência e pediram a cabeça dele.” E o judeu cochichou ao agente: “Tu sabes que stand-up é mesmo um martírio. Quando não são pessoas influentes se incomodando com o que dizemos, é a crítica nos crucificando”. E eis que o judeu guardou o cartão do agente e voltou à montanha; e assim prosseguiu, dizendo à multidão:

“Quereis agora ouvir a piada do bom samaritano ou a anedota do filho pródigo?”

E a todas estas a multidão se deleitando, pois via que rir era bom.

Ao Mirante, Nelson