31.1.04

5

Sento numa mesa no fundo do bilhar 75 com uma garrafa de cerveja e fico filmando os tacos em movimento. Talvez faça uma fezinha mas não conheço nenhum dos caras e ouvi o garçom dizer que o lugar estava cheio de canas. Estou estourado, só consegui sair do posto à uma hora da manhã quando o movimento parou. Anoto essas coisas num caderno que trago comigo porque tenho essa mania, vontade de rabiscar pra passar o tempo, fico sujando as folhas em branco. Conversando sozinho com a caneta, faço desenhos, contas, invento nomes e telefones de ninguém, uma lista de lugares onde já trabalhei, onde morei, nomes das garotas que já fiz, dos filhos da puta que me sacanearam, conversas que já ouvi e não conto pra ninguém. Anoto tudo. O pessoal lá de casa me achava maluco e me olhava enviezado. Família. Uma traveca pisca pra mim do balcão e um minuto depois está puxando uma cadeira do meu lado. Ela já está trincada e o silicone das bochechas treme. Os tacos param. Começo a suar. A traveca finge interesse no que escrevo e se estica pra perto de mim enquanto me passa uma bolsinha por baixo da mesa. Pede pra eu guardar que depois pega comigo. Ela implora e se afasta. Os tacos voltam a se mexer. Eu esvazio o copo de cerveja e me fixo no brilho das bolas sobre a mesa de bilhar. Lá pelas três da manhã o jogo dos canas acaba e eles se mandam. Eu vomito tudo no banheiro, lavo o rosto e vejo pelo espelho sujo que a traveca está atrás de mim, sorrindo. Lembro da bolsinha. Ela agradece e me alisa o pau por cima da calça. Eu desço o ziper e começo a mijar. Ela quer mais e eu deixo. Me convida pra aparecer no ensaio da Unidos do Cabuçu amanhã e vai embora. O garçom guarda a minha gorjeta magra e me passa um folheto de uma assembléia de Deus. Eu dou as costas e na rua dois camburões passam voando na contramão. Fuzis para o alto. Saio da gafieira quando o dia quer amanhecer e sob os arcos da Lapa uma pivete me negocia o rabo por 50 reais. Vai a merda. Quero me jogar na cama mas a Haway ainda está longe. Meu caderno dentro da calça arranha minha pele. Na porta da pensão uma mulher me pede 30 paus em troca de um boquete. Não tem cara de puta. Ela está nervosa e não quer subir. Vamos para trás de uma banca de jornal e ela se ajoelha. Eu viro o rosto para cima e uma nesga de sol me bate no olho. Ela perde a paciência comigo, fecha minha calça e eu lhe dou 10 paus. Subo correndo os 39 degraus e jogo meu caderno no latão de lixo do corredor. Minha barriga sangra. Não me custa nada fechar a porta do quarto.

Prosa Caotica

30.1.04

Eu nunca entendi essa expressão "de uma figa".
Aprendi com os desenhos do Popeye, mas entender, eu nunca entendi.

me Jane, you Tarzan

prescrição filosófica- utilitária em tempos desiludidos

bom remédio
para um amorplatônico
seria
uma trepadahomérica

ela mesma no blogue branco

Agora é questão de honra.

Nem que eu tenha que arrancar meus olhos, meu fígado, minhas entranhas. Nem que eu tenha que viver como um zumbi, com os olhos amarelados, quase sem vida, sem lembrar direito o que estou fazendo, mas indo. 2004 nasceu com uma estrela pendurada na ponta, escrito o meu nome, esse ano é meu, me pertence, e eu vou conquistar as minhas coisas nem que seja à força, nem que seja gritando, esmurrando, ou quietinha, no canto, você vai ver. Eu não vou mais perder tempo.

Maldita Mulher

Acordou como sempre com a cara amarrotada depois de adiantar o despertador 4 vezes. Sonhou a noite inteira com o rapaz cujo coração partiu por causa do outro rapaz que partira seu coração.
Ligou o rádio, tomou o resto do café de ontem, olhou de perto no espelho os cravos do nariz, foi trabalhar. Esqueceu as chaves do escritório em casa. Era um dia que nascia a fórceps.
Viu pessoas, falou sobre o amor, sobre o trânsito, sobre a teoria do nada não é nada porque nada já é alguma coisa. Pensou nos amigos, citou alguns nomes, omitiu outros, questionou-se se um texto que leu na internet foi escrito para ela.
Fez uma transferência bancária, comprou um passe escolar e um drops de menta, ajudou um ceguinho. Foi para casa.
Tomou banho, tirou os pelos que sobravam na sobrancelha, lixou as unhas, teve trabalho para ajeitar as mechas de cabelo que fugiam da longa trança que acabava em um laço azul. Comeu só um ovo cozido para não pesar no estômago. E foi dormir, assim que terminou de tomar o copo americano de Detefon.

Madame Limbo

Existem dois tipos de pessoas. As pessoas que pensam em grupo e as pessoas que pensam sozinhas.

O que isso significa exatamente? Existem pessoas que não duvidam de nenhuma informação, desde que ela tenha sido excessivamente compartilhada por um grupo de pessoas. Se o assunto saiu no jornal, na televisão, nas revistas ou se está na boca do povo, é verdade, existe.

Agora, se não é uma coisa que se escuta por aí, se não parece com nada que ela tenha visto na vida, se ela não pode reagir imediatamente por não encontrar ferramentas para isso, então não vale, não tem lugar, não importa.

A não ser que quem fale esteja falando a respeito tenha muita credibilidade, seja uma autoridade no assunto (o que não pode acontecer afinal, em geral quem é autoridade num assunto, é conhecido). Bom, daí começa o problema.

Uma pessoa que tenha se relacionado com algum tipo de conhecimento, ou seja, que tenha agido sobre ele, e não apenas aceitado ou recusado, dito "gosto" ou "não gosto", mas que tenha ido dormir com suas próprias dúvidas, perdido noites de sono, recortado, separado, articulado um conhecimento, não pode ser uma autoridade no assunto porque uma autoridade geralmente está na boca do povo, pode ser traduzida pela mídia, ganha status. Mas, se uma pessoa não fala sobre nada acessível, nada que encontre o conforto do consenso, então ela não existe.

Hoje, as pessoas só conseguem entender uma coisa cuja existência e comportamento elas já aceitem e conheçam de antemão. As pessoas entendem que as mulheres não têm os mesmos direitos dos homens porque elas já leram a respeito disso em algum lugar e traduzem suas experiências nesses termos, nesses moldes. Sem no entanto, poderem sequer provar o que sabem em moldes diferentes e que por exemplo, excluam essa realidade previamente instituída.

Por esse caminho, qualquer discussão traduz apenas um insuportável ato de retomar os diversos discursos sobre determinado assunto, compartilhados e mais uma vez compartilhados, o que faz com que as pessoas atualizem informações e visões de mundo, visões estas de forma nenhuma surpreendentes ou novas, muito menos perturbadoras: visões comuns. comuns. comuns.

Por mais que os números da violência estejam crescendo, essa é, num certo sentido, uma informação mentalmente apaziguadora, porque ela é extremamente difundida pela mídia, e ela manipula determinadas reações de determinadas maneiras. O mundo é cada vez mais insuportável sem um cadeado de oito travas, morar numa rua sem guarita é enfrentar um mundo sem leis. O que as pessoas entendem por violência faz parte de um sistema de referências também compartilhado, mas o mais estranho é que a maior parte das pessoas não pode reconhecer a violência que pratica ou que sofre diariamente, simplesmente porque ela não aparece sob a forma que a violência é conhecida. Por isso é que muita gente fica cansada no final do dia sem saber realmente o motivo. Comigo também, mas é pior, eu fico cansada e mais cansada ainda por saber que as pequenas violências que eu estou sofrendo ou praticando teoricamente não existem, e isso é definitivamente perturbador.

Imagine um jornal que ao invés de dar a notícia de um assalto a banco diz: Hoje à tarde, Fulana de Tal, 44 anos, olhou para a roupa de Cicrana de Tal, 18 anos, com olhar de censura e ódio no coração. Fulana está respondendo a inquérito por atrapalhar fisica e emocionalmente a caminhada de Cicrana, que sentiu náuseas ao chegar ao final da rua e precisou ser hospitalizada e tratada com elogios e muitos abraços sinceros e olhares de admiração (e volúpia) do pessoal do hospital. Mas não, as pessoas se sentem mais chocadas com um assalto a banco do que com uma mulher de meia idade que quer destruir a beleza da vida.

Na Universidade, - o jardim do saber - , o aluno, para enfrentar um curso, precisa apenas descobrir o tema da tese do professor. Depois disso, tudo fica muito claro. Com essa informação, o aluno que pensa sozinho vai poder escrever suas provas e trabalhos, podendo ou não conceder a si mesmo a possibilidade de ter ou não problemas acadêmicos/teóricos/burocráticos com os jardineiros. O professor, ao invés de uma referência nobre, de um mestre querido e inesquecível, de um grande amigo, passa a se transformar numa espécie menor de homem, envolvido e inebriado de si mesmo e de questões teóricas que não chegam a ser problemas, são apenas soluções fáceis para ressaltar o valor de uma tradição que é compartilhada, da mesma maneira que as opiniões de jornal: de uma maneira que encontra pouca resistência à sua livre, eterna e infernal existência, a não ser pelo outro tipo de pessoa, "pessoas que pensam sozinhas".

Para "pessoas que pensam sozinhas", é claro que eu deveria fazer uma ressalva, afinal o conhecimento não brota do chão, ele é articulado, refeito, recuperado, transformado por muitas pessoas. No entanto, é válido nomear esse grupo de pessoas como pessoas que pensam sozinhas porque isso realmente não é bem visto. Uma pessoa que pensa sozinha é capaz de discordar de qualquer entidade acadêmica, viva ou morta, honesta ou picareta, lúcida ou capenga, conhecida ou estranha.

Uma pessoa que pensa sozinha não admite que um punhado de dados no jornal dite sua maneira de refletir sobre suas experiências. Uma pessoa que pensa sozinha está sozinha e quase sempre contra a maioria, porque é uma pessoa que entende a solidão não como uma doença, mas como uma maneira de respirar e de manter sua existência com dignidade e longe de ser violentada ainda mais.

Uma pessoa que pensa sozinha precisa pensar por si mesma e pensar pelos outros, precisa recuperar sua autonomia de pensamento a todo instante e ainda encontrar uma maneira de dialogar com uma pessoa que pensa em grupo de um modo humano, para que ela não fique inebriada de si mesma e de vaidade e de sentimento de indiferença pelas pessoas que pensam em grupos e que estão tentando dar suas opiniões, renunciando ao conhecimento de uma forma terrível aos olhos das pessoas que estão testemunhando isso.

Uma pessoa que pensa sozinha é considerada estranha e é estranha, porque ela está, num certo sentido, caminhando por muitas pessoas que estão apenas repetindo um modo de ser de mundo que não traz felicidade, que domestica suas idéias e atitudes, que apenas traça uma linha para que elas possam fincar seu pensamento e seguir sempre em frente na direção da infelicidade.

tudodenovomesmo

Minha mãe sempre me disse que a gente não deve sofrer por antecipação.Linda e poética teoria, com sinos budistas tocando ao fundo. Na prática, desde cedo a coisa se mostra bem diferente. Basta a gente entrar no pré-primário e o mundo indaga: -O que é que você vai ser quando crescer? Já não bastasse o esforço pra aguentar até o prometido sábado no Playcenter. Estes conceitos, incutidos desde muito cedo, ficam gravados em nosso cérebro feito a música da cantora Luka. Se a gente conhece uma pessoa bacana, porque não investir? Se a investida dá certo, porque não namorar? Se o namoro vai bem, então: -Não vão casar?!? Daí a gente casa, e quinze minutos depois começa o aluguel: -E a cegonha, chega quando? É uma corrida desenfreada: vamos crescer logo, pra namorar logo, pra casar logo, pra ter filho logo, pra ficar velho logo, pra morrer logo, pra ressucitar logo... Mas a verdade é que chegamos naquela idade em que algumas verdades se revelam pra nós feito os seios de Dercy Gonçalves: nuas, cruas, apavorantemente verdadeiras e sem o menor pudor. A vida é uma estrada de mão única, e o tempo não está passando mais devagar. Geralmente quando isto acontece, a gente está naquela fase da relação que a gente nem lembrava que um dia fosse chegar. Passados os momentos lindos, os péssimos, os medonhos e os lindos novamente, o barquinho da vida a dois navega por águas caribenhamente calmas. Justamente quando as finanças estão equilibradas, os horários ajustados e os opostos tolerados,é nesta hora que as vontades coincidem: -Que tal se a gente tentasse ter um bebê? Quando um casal que pensa em "um dia" ter filhos, decide que chegou a hora de ter filhos, um misto de alegria e pavor inunda suas almas. Involuntariamente, é dado início a uma vasta e desalentadora lista de prós e contras. Com os contras ocupando páginas e páginas, e os prós ocupando duas linhas. Nesta hora nossa atenção se volta para os casais com filhos, e principalmente, para os filhos destes casais. Passamos a frequentar até festinhas infantis, nas quais o raro exemplar de criança que reúna mais de duas qualidades, tais como ser meiga, inteligente e bonitinha, é observada atentamente e até fotgrafada, além de ser alvo de comentários que persistem até o meio da semana: -Bonitinha aquela filha do Tiago e da Chris, fofa! -Inteligente! -E meiga! Internamente a música é outra: -Será que os nossos serão assim? Mas nunca pensamos em nós. Como seremos assim que nos tornarmos pais de crianças, independentemente de serem estas meigas, hiperativas ou simplesmente indomáveis? A resposta é: pare de olhar para os petizes, e deite seu olhar sobre estes pais que vês a tua frente, e estarás diante de um espelho. Eu? Deixando meu filho correr entre os convivas feito um motoboy na Rebouças, derrubando os copos de coca-cola como se fossem espelhos retrovisores? Sim, tu mesmo. E pronunciarás coisas como: -Meu filho é totalmente sinestésico! ou -Prefiro roupas mais orgânicas. E falarás sobre pediatras holísticos, métodos indígenas de alimentação e sistema cognitivo. E sobre comunicação por sinais e curva de crescimento. Acredite em mim; eu também achei que comigo fosse ser diferente.

Papagaiada

OS FILÓSOFOS E OS CHEQUES SEM FUNDO

Quem disse que os grandes pensadores, que já batizaram correntes filosóficas que entraram para a História, não podem batizar cheques que entraram para a Compensação – e voltaram? Em primeira mão, algumas das denominações filosóficas mais consagradas para os populares borrachudos:

Cheque Nietzsche: O eterno retorno.

Cheque Caverna de Platão: Você vai checar o saldo e nem sombra.

Cheque Kant: Se não sacar a priori, babaus.

Cheque Descartes: Compenso, logo não existo.

Cheque Pitágoras: Faz o triângulo perfeito: emitente – compensação – emitente.

Cheque Pirro: Desperta total ceticismo em relação ao saldo.

Cheque Diógenes: Na lista de compensáveis é sempre o lanterninha.

Cheque Hume: É o que o gerente murmura quando o dito cujo chega às mãos dele.

Cheque Hegel: O saldo é uma antítese. A síntese é o cartório.

Cheque Heráclito: Tudo é fogo. Principalmente tentar descontar um destes.

Existem mais, existem mais. Quem nunca levou um voador que atire a primeira precatória. Cheques – quer dizer, cartas – para a redação.

borrachudo do Palimpsesto

29.1.04

Literatura Rodoviária do século XYC
E tinha uma garota no banco do lado e a viagem estava apenas começando.
Resolvi ser astuto e gentil e puxar conversa.
-- Oi, você gosta de ler que tipo de livro?
-- Oi, gosto de livros de filosofia.
-- Ah, que legal. Eu também.
- Pausa no post -
Eu nunca li um livro de filosofia, aliás, eu acho que nunca li um livro. Não gosto de ler nem de assistir o Jornal Nacional. Mas com minha investida literária/filosófica a menina ficou empolgada e esboçou um largo sorriso. E continuamos nossa conversa.
-- Então você também gosta de filosofia?
-- Sim,acho fantástico.
-- Que bom, temos um monte de coisas em comum.
-- Você curte quais autores?
-- Ah, vários!
-- Gosta de Paulo Coelho?
-- Sim, acho extraordinário. E você?
-- Eu?
-- É, e você?
-- Hum... Eu preciso ir ao banheiro.
E fui até o banheiro do ônibus onde permaneci trancado o restante da viagem, cerca de 12 horas.
Paulo Coelho é lamentável.

¿de que jeito?

Hoje fui pegar autorização e fazer uma avaliação pra uma anestesia que vou fazer amanhã e quem me avaliou foi um médico legista, o pior de tudo é ele falar até breve.
Oremos.

Fata Morgana

Eu almoçando um cheeseburger do Bob's (bah, leitor, não perca o seu precioso tempo dizendo que o Bob's é pior que o Mequidonals: é o que tem perto do trabalho. me poupe.) Batem na porta da minha sala, é um colega querendo apresentar a advogada nova, que começa amanhã no sirviço. A menina, toda sorridente, me olha. Eu calmamente tiro o canudo da coca-cola da boca, sorrio de volta pra ela, o cheeseburger numa mão e três batatas esmagadas na outra: "Eu sou você, amanhã."
Ela dá uma risadinha. Eu dou outra. Cai o pano.

epinion

A rolinha entrou pela janela aberta. Todas nós soltamos gritinhos de surpresa. A professora de hidroginástica encolheu-se num canto. Tem gente que morre de medo de aves.

Meu filho quer inventar o oiránoicid, que é o dicionário ao contrário, onde você entraria com o significado e ele diria qual é a palavra que você está procurando. Se já existisse, poderia colocar aqui o nome que me fugiu da cabeça da fobia dos que abominam bichos de pena.

Em volta da piscina, do chão à metade da altura até o teto transparente é parede de tijolo, emboço, tinta... Daí para cima é janela. Quando faz frio, os vidros são fechados. Num dia quente como hoje, abre-se tanto quanto possível. E foi por aí que a rolinha entrou. E gorjeamos nossa surpresa. E a instrutora espremeu-se contra a parede.

Não é a primeira vez que acontece. Ainda outro dia, quando nossa treinadora estava de férias, deixando em seu lugar uma estagiária, foi outra rolinha que entrou e ficou girando procurando a saída até cansar. Não foi simples agarrá-la e soltá-la de volta para o vôo livre.

A rolinha de hoje talvez tenha se apavorado com o nosso pequeno susto, com o medo da mestra, com a música alta que marcava nosso ritmo. Passou sobre nossas cabeças cruzando todo o comprimento da piscina, ouvindo nosso sobressalto, nosso pavor injustificado, nosso barulho que insistimos em chamar de música e tocou a parece no lado oposto. Deve ter sido então que ela armou-se de toda coragem para fugir dali e arremessou-se numa velocidade incrível contra a vidraça caindo do nosso lado, dentro d'água.

Quando N. a resgatou das águas com suas luvas de pato, a ave se debatia. Eu, sempre a mais alta de quase qualquer turma, me ofereci para colocá-la no peitoril da janela para que pudesse alçar vôo assim que se recuperasse. Mas a rolinha morreu nas minhas mãos e eu fiquei com uma tristeza infantil no peito.

Até o final da aula o servente ainda não tinha vindo para pegar o bichinho morto e eu passei o restante do tempo ouvindo sobre notícias do dia, novelas, filhos e netos, exposta, mesmo que não olhasse mais, àquele testemunho de uma pequena infelicidade diária, fingindo ser o cloro que me ardia os olhos, numa tentativa brutal de voltar a ser adulta.

FEL, amargando felicidade

Curiosidade é uma merda. Queria ver o que acontecia se mudasse o idioma do meu celular para hebraico. Ficou engraçado. O que não foi nada engraçado foi ter que ligar pra alguém pedindo ajuda para mudar o idioma novamente, já que eu não entedia absolutamente nada do que estava escrito na tela. Afinal, estava tudo em hebraico. Sorte que ela tem um celular parecido e me ajudou nesse momento dramático. Depois que se recuperou do ataque de riso, obviamente.

E essa foi mais uma da série.. as coisas mais estúpidas que eu já fiz na vida.

Uma dama não comenta

EU adoro dormir de bruços, apoiando o lado esquerdo da face e do corpo no colchão.
Outro dia me dei conta: é para manter o coração aquecido...

Gauche comme moi

28.1.04

Andando pelo calçadão da Avenida Atlântica, em contagem regressiva para o carnaval do Rio, sinto uma pontinha de saudade de outra avenida - a Paulista. Andarilha contumaz, só ou acompanhada, conheço cada centímetro dela, minha velha amiga, de quem conheço segredos que só os muito íntimos sabem. Um deles é delicado e quase invisível, disponível aos muito atentos ou aos muito tristes, que costumam baixar os olhos para o chão.
Quando andar pela Paulista, não vá tão rápido. Olhe por entre as pedras pretas e brancas da calçada e você encontrará pequenos ladrilhos de todas as formas e cores. Alguns têm palavras e nomes escritos, outros retratam imagens que pedem atenção para serem compreendidas. Miniaturas de um mundo mais bonito delicadamente colocadas sob os pés dos passantes.
Descobri que a idéia de semear delicadezas no calçamento da avenida foi da artista plástica Anabela Santos, que colocou bloquinhos de vidro no chão entre o prédio do SESC e a rua Leôncio de Carvalho - e outras pessoas continuaram a espalhar flashes de cores e sentimentos no tapete às vezes sujo, às vezes maltratado da Paulista. Procurar por essas peças é interromper um pouco o barulho que os pensamentos fazem e parar para ouvir vozes mais simples, que não pretendem fazer discurso. Elas dizem: sol, lar, cena de amor. Coisas das quais nos desocupamos para pensar na guerra, no saldo bancário, na liquidação de verão - não podemos, afinal, nos desvencilhar do dia-a-dia.

Mas você que anda pela minha avenida, não esqueça de olhar para o chão - principalmente se estiver triste.

Mermaid Online

A cidade

Parece que posso ouvir aquele antigo samba Trem das onze. É frio em São Paulo, na velha São Paulo da Garoa , só não acho q ela é Terra Boa . Pelas calçadas da Paulista caminho lentamente, ao contrário da multidão que corre, de um lado pro outro em vários sentidos, totalmente sem sentido.

As pessoas disputam lugar com os camelôs vendendo quinquilharias do Paraguai, ou CDs piratas. Mais na frente chineses preparam um Yakissoba para judeus com trancinhas em suas barbas. Uma garota de cabelo cor de rosa espera em frente a algum banco seu namorado vestido com terno e gravata.

Atravesso a rua e vejo uma exposição com quadros do Dali que apenas as moscas observam, um homem chora, uma mulher grita ao telefone, um casal se beija sem perceber q o mundo não está em câmera lenta como eles pensam estar. Um homem ameaça se jogar de cima do Conjunto Nacional, os bombeiros esperam embaixo, e ele só joga uma meia suja, como se estivesse fazendo strip-tease.

A garoa continua e a música Trem das onze parece estar querendo me ensurdecer, minha roupa já está molhada, atravesso a rua correndo por que o sinal de pedestres vai fechar, fico presa no canteiro central. A chuva me encharca, a música me ensurdece, a única coisa que me restou foi a visão, que queria não ter para não ser a única a perceber que na esquina da Augusta um louco, arranca com ferocidade seus cabelos. Metade da cabeça está em carne viva, não tem sangue, apenas uma carne crua, recém descoberta, pulsando na freqüência da loucura da cidade.

Tenho vontade de vomitar por ver tantas pessoas indiferentes ao que acontece ao seu lado, bitoladas em seu umbigo, reclamando que suas vidas estão cheias demais por serem vazias demais.

Traquinas!

27.1.04

Há 450 anos os portugueses que na Ilha estavam tiveram a grande idéia de subir a serra e criar uma cidade lá em cima, longe do mar.

Imagino o seguinte diálogo, ocorrido numa praia:

- Joaquim, não achas que deveríamos atravessar a mata e fundar uma cidade lá no planalto?
- Ó Manuel, não seja parvo. E os navios, o principal meio de transporte de nossa época? Como chegarão até lá?
- Joaquim, estás a falar asneiras. Pensa, homem! Se o principal meio de transporte é o navio, não seremos atacados por invasores se estivermos longe do mar! - e faz o gesto de "dã", batendo com a mão fechada na testa.

Então atravessaram a Mata Atlântica, a "muralha" da Serra do Mar (imaginem como deve ter sido terrível, se ainda hoje não é fácil apesar da Rodovia dos Imigrantes), e criaram essa maravilha que hoje se chama São Paulo.

Só mesmo na cabeça de lusos podia ter passado uma idéia dessas e, quem diria, agora eu mesma refaço esse estúpido caminho, com a lusitana sensação de que é a coisa certa a fazer.

Parabéns aos conterrâneos da metrópole doentia neste 25 de janeiro.

Ilha de Siris

Um dia perfeito para o povo-banana

Se Saulo imaginasse que seu nome seria usado para designar uma cidade tão horrível, estaria até hoje perseguindo os cristãos.

Brincadeira, gosto de São Paulo*. Há um belo metrô, o samba não está tão desenvolvido, as pessoas suam menos e têm boa educação.

(*) também gosto de São Sebastião; São Francisco tô fora; São João, as músicas não ajudam.

Um amigo meu disse que estão despoluindo o Tietê. Outro disse que estão escavando pra ver se acham água.

dies iræ

Fábula metropolitana

Essa uma história exemplar. Não me pergunte exemplo do que, mas é exemplar.

No último sábado, durante os festejos do aniversário de São Paulo, estava aqui conversando com meu amigo Tomas na entrada de minha casa, que é ao lado do Parque da Aclimação. Como fazia tempo bom e o clima era de feriado, havia bastante gente no parque.

De repente ouvimos na rua uma gritaria. Subindo a rua estava uma sujeito correndo, ou melhor, fugindo na frente e, em seu encalço, um rapaz em uma moto com uma carreta cheia de bujões de gás e um carro prateado de onde se via um braço para for a, apontando um revólver, aparentemente semi-automático, na direção do jovem que tentava fugir.

Alguns segundos depois ouvimos um tiro. Será que o cara atirou? O Tomas, que tem uma curiosidade mais mórbida que a minha, foi para a rua ver o que tinha acontecido. Acabei indo junto.

De longe vimos o cara que estava sendo perseguido no chão. Tá morto? Não, não está mexendo. O tiro foi para cima, supomos. Como nossa curiosidade não era tão mórbida a ponto de nos aproximarmos do cara armado, cada transeunte que passava por nós fornecia alguma informação sobre o incidente.

Enquanto uma mulher ligava para a polícia, o rapaz que entregava bujões de gás, ao deixar o local, contou, achando tudo muito engraçado, que o sujeito tinha roubado o celular de um homem no parque. Ele tinha saído atrás do infrator, assim como o carro com o cara armado. Ele é policial?, perguntei. Acho que é, disse. Enfim, perguntamos, se ele não teve medo de uma bala acertar os bujões e a vizinhança toda explodir. Ele sorriu e disse que não tinha perigo. E foi embora.

Para nossa surpresa o que se sucedeu a seguir foi o seguinte: o homem que acabara de recuperar seu celular, falou que era para deixar o assaltante, que aparentemente estava sob condicional, partir. Ele também foi embora, provavelmente porque não queria passar pelo processo burocrático de ir à delegacia prestar queixas e depois, sei lá, ser alvo da vingança do irmão do assaltante, que talvez seja um membro do PCC.

Durante alguns minutos, ficaram no local o cara da arma e meu vizinho da frente, um homem que pesa uns 200 quilos e que usa um rabo de cavalo prendendo o cabelo. Como o sujeito armado não tinha porte arma, prudentemente resolveu sumir antes que a polícia chegasse. O vizinho, que havia acompanhado tudo de perto, nos deu o relato completo, dizendo ainda que, do jeito que a situação estava, teria de tirar sua arma do armário.

Apesar de termos ouvido as sirenes, a polícia não chegou a aparecer no local.

Enfim, é como se nada tivesse acontecido.

Chez Nigro's - Movimento pela Insanidade Coletiva

keep walking

Aquela pernada, da estação Clínicas até a Consolação, foi o tipo da coisa desnecessária. A distância não é tanta, o problema eram os malditos scarpins-bico-fino-estilo-maria-clara. Às vezes, penso mesmo que tem coisas exdrúxulas que só eu sou capaz de fazer.

Mas o melhor é que eu desisti a tempo da indiada de ir até a José Paulino, às 4 da tarde, me estapear com os transeuntes em busca de ofertas, e fui subindo a Teodoro Sampaio, ao léu. No meio do caminho, não é que tinha uma Pç. Benedito Calixto? A (minha) perdição! Alguns minutos precisosos daquela tarde de vardi foram gastos enfurnados naquelas lojas-fetiches, tendo convulsões de desejos consumistas. Comprei uns badulaques e balangandans pra casinha e segui meu caminho.

Logo (e com os pés pedindo arrego) cheguei à Hadock Lobo, achei o prédio e fiquei à espera.

(...)

Conheci o apê aconchegante do GUIU, pertinho da Paulista, onde ele reúne os amigos vez que outra e faz aquelas coisas gostosas que ele fala no blog. Exatamente igual ao que eu imaginava. Enquanto ele tomava um banho rápido, pude ouvir um pouco de The Trills. Realmente bárbaro.

Meu amigo me poupou de mais uma pernadinha e fomos de metrô até a Fnac. Aquele lugar é o paraíso! E, ok, eu queria chorar a cada livro maravilhoso que via na prateleira e lembrava que eu continuo sendo uma proletária fudida. Ó vida. Mas vamos adiante.

De lá, rumanos pro restaurante preferido do GUIU - o Mestiço - onde a Joice nos esperava.

O fato é que não há coisa mais gostosa que rever os amigos. Nessa ida rápida, não poderia deixar passar a oportunidade de ver esses dois, especialmente. E foi realmente muito legal juntá-los na mesma mesa. O GUIU, como todo mundo sabe, foi meu professor na Ufal. E a Joice, minha sócia na antiga empresa aqui em Porto Alegre. Tudo o que eu aprendi na faculdade, teoricamente, sobre assessoria de imprensa, aprendi com ele. O resto, tudo o que sei hoje, foi a Joice que me ensinou nos primeiros tempos de Fácil e com o convívio. Troca de impressões sobre o jornalismo, as cidades, a vida...

Depois do jantar gostoso, parti com a Joice (e o Leandro) pra Vila Madalena e conheci o que deve ser o bar mais legal da boemia paulistana: o Ó do Borogodó . Ouvimos um "chorinho de mesa" (? ), encontramos o Pato e uma alma sebosa ainda apareceu, tentando dizer algo como "vocês são a Elis Regina e a Nara Leão". Céus!

No fim de tudo, o Zaca ainda apareceu. Totalmente easy rider. Acho que estava descendo pro litoral, encontrar a Nê o Backbone...

No outro dia, cedinho, rumava de volta pra Porto Alegre. Cheguei embaixo de chuva. E fui pra casa com aquela vontade boa de voltar a Sampa sempre que puder.

Batendo perna em Sampa no Monomulti

25 de janeiro

Já se falou demais dos 450 anos de São Paulo. Dona Nilda, que é tão apaixonada pela cidade quanto eu, comentou isso comigo dias atrás. Porque, por mais que se ame São Paulo, paciência tem limite. Deixem minha cidade em paz, caralho!
Eu só queria descrever algo que me aconteceu dia desses: desci no Metrô República e estava andando pela praça na direção da São João. Umas onze da noite, acho. Logo na saída do metrô, um grupo de bolivianos tocava suas flautas de bambu, tambores e instrumentos de corda esquisitos. Só que, em vez do repertório de sempre, ao centro da roda duas mulheres faziam um desafio improvisado, como repentistas. Mais para a frente, um grupo de velhos engraxates, bem conhecidos de todos que andam pela região, tocavam um baião de Luiz Gonzaga usando instrumentos típicos de samba (pandeiro, tamborim, timba, repique). Já na Avenida Ipiranga, um negão e um japonês andavam de mãos dadas, e olhavam-se amorosamente.

Isso, pra mim, é São Paulo: mistura, harmonia, ritmo, improviso. E veadagem. Puta que pariu, como tem veado nesta cidade!

Jesus, me chicoteia!

Tagarelices de Domingo, Tomo III

Alguém deveria lançar um guia sentimental das cidades. Nesta rua, a desconhecida tal e o desconhecido tal se encontraram pela primeira vez (fotos de fulano e fulana); nesta esquina beltrana de tal esperou duas horas por pacheco júnior que nunca veio (fotos de beltrana e pacheco júnior); nesta calçada se separaram para sempre fulana e fulano (fotos); e, neste cruzamento, morreu beltraninha (foto de beltraninha, da mãe de beltraninha, do namorado de beltraninha, e do assaltante de beltraninha). Em alguns pontos da cidade não daríamos um passo sem saber que estávamos pisando onde um casal tinha se encontrado pela primeira ou última vez. Andaríamos pensando nessas coisas o tempo todo.

A namorada se encontrando com o namorado na rua, e ele diz: “Sabe que poste é esse? Foi aqui que um tal de Cláudio Bonnaforte Filho esperou duas horas pela namorada, Valentina Tavares dos Anjos, numa tarde de abril de 1977. Ele tinha vinte e dois anos e trabalhava na loja de ferramentas do pai. Ficou lendoZen e a Arte de Manutenção de Motocicletas durante duas horas, encostado aqui neste poste. Olha a cara dele aqui no guia.”

Não seria necessariamente só sentimental, esse guia. Todo tipo de informação sobre as ruas e esquinas da cidade. Nesta rua, por exemplo, Mário de Andrade queria que o seu pinto fosse enterrado (não estou brincando: ele disse que queria que o seu pinto fosse enterrado na Rua Lopes Chaves). Nada melhor para impressionar uma mulher do que ir andando com ela pela calçada, e de repente apontar para um ponto do chão e dizer: “Aqui! Bem aqui! Bem aqui, ó! Mário de Andrade queria que o pinto dele fosse enterrado bem aqui!”

(O gesto fica mais charmoso se você bater com a sola várias vezes no ponto exato e repetir: "Bem-a-qui!")

Eu queria que o pinto de Mário de Andrade estivesse enterrado na lua, para impressionar ainda mais a mulher que estivesse comigo. Estaríamos num banco de jardim, de mãos dadas, etc. De repente eu tiraria o cachimbo da boca, daria um riso filosófico (uma única e quase inaudível expelida de ar pelo nariz), e apontaria para a lua com o cachimbo, dizendo: “Sabe, querida? O pinto de Mário de Andrade está enterrado bem ali, no Lacus Somniorum.” E ela espremeria os olhinhos, como se tentasse enxergá-lo dali.

Outra possibilidade é dar uma baforada filosófica no cachimbo (apoiando o cotovelo com a mão livre, e soltando a fumaça em direção ao céu) e dizer: “Mário de Andrade escrevia si ao invés de se e mãi ao invés de mãe. Sabia disso?” Diga isso muito solene, para impressionar a sua namorada com a sua seriedade em assuntos ortográficos. Ela dirá: “Ah!”, e romperá com você no dia seguinte (por email). Mas pelo menos vocês tiveram um belo momento no jardim, coisa e tal.

(Sempre existe a possibilidade que ela responda tudo isso com um "E quico?" As mulheres de hoje vivem dizendo "E quico?" cada vez que queremos dizer alguma coisa minimamente interessante. Não sei bem o que quer dizer "E quico", mas me disseram que é algo muito ofensivo. Como são revoltantes as mulheres que dizem "E quico"! Eu seria banguela se perdesse um dente cada vez que uma mulher me disse isso, sério mesmo. Por trás de cada grande homem há uma mulher dizendo "E quico?".)

Mas voltando ao Guia Sentimental das Ruas de São Paulo. Uma variante do guia seria um que marcasse, nas ruas, acontecimentos imaginários. “Nesta esquina vinte si-fans atacaram Sir Denis Nayland-Smith a mando de Fu-Manchu. A batalha se estendeu até o semáforo da Cardeal Arcoverde”, etc. Ou: “Nesta fonte Ava Gardner beijou o toureiro Manolito Montillo enquanto Frank Sinatra subia no Monumento dos Imigrantes e chorava. Outra pessoa que subiu no Monumento dos Imigrantes foi o explorador Sir Richard Francis Burton, que traduziu Os Lusíadas inteirinho lá em cima, jogando bananas nos si-fans que passavam embaixo", etc.

Bom, já é domingo, credo - e me despeço. Sigam minhas dicas românticas e tudo correrá bem. Na dúvida, se ela não se impressionou com os hábitos ortográficos de Mário de Andrade (mas que mulher não se interessa por isso? Céus!), faça o seguinte. Pouse o cachimbo no banco (arrumando-o bem devagar, como se ele fosse um ratinho adormecido) e, com uma certa solenidade, aperte os seios de sua namorada, dizendo o invulgar e nunca assaz usado fon-fon. Elas adoram...

É com pequenos gestos assim que uma mulher se sente amada. Outra possibilidade é dar um mata-leão nela enquanto passeia com ela no shopping. O famoso "half-nelson"!

Alexandre Soares Silva

Em homenagem aos 450 anos de São Paulo, desenterrei este poeminha escrito em 2001. O título é, claro, uma tiração de sarro.

meu nome é angélica, eu sou uma poeta beat, e este vai
para o meu amigo álvaro

ó grande bunda de concreto
rachada pela paulista:
chutá-la é o meu desígnio
eu não busco conforto
nem álcool, nem laticínio
tuas casas me cospem
pra rua bem cedo
tuas ruas me empurram
pros bondes com a língua
teu oxigênio envenena
tua antena só pega
os duzentos canais
que minha grana não paga
eu não te esqueço, sp,
quando meu bolso esvazia
e quando baixa a edição de brasil
às oito, tô fria,
e se eu não sei pra onde vou
é porque o mapa me pede
que eu fique entre quatro
paredes.

(são paulo, 3/5, 10:32 am)

*

Ai, como eu era brabinha naquela época.

Hoje eu escrevo:

São Paulinha, São Paulinha
Bem-me-quer e malmequer
Foi vancê que me deu grana
Pra comprar meus Bodelér.

Muito obrigada.

Tome uma xicara de cha

26.1.04

Pronto. Já faz 2 minutos que é aniversário de São Paulo. Dá pra mudar de assunto?

catarro verde

23.1.04

São Paulo 450

Já que todo mundo está falando do aniversário dessa cidade, a Copy-Paste Indústria e Comércio LTDA também caiu na jogada de márquetim.

Vamos escolher o melhor posti sobre a cidade de São Paulo. Para se inscrever, é só escrever. Ajuda se deixar um comentário aqui com o endereço do blógui, mas não se deixar a gente vai atrás do seu blogui e procura. O posti será publicado no domingo, por isso você só tem até amanhã. Pro pessoal de São Paulo isso é até lucro, que normalmente o prazo é pra ontem.

Vale falar de qualquer coisa da cidade. O melhor posti será julgado por um júri extremamente competente, a equipe de bocha do Copy-Paste.

O primeiro lugar receberá um convite para dois pastel e um chopis em qualquer boteco da cidade.

A direção

E essa quem contou foi a Nina do LV:
– Quero balinha.
– Filho, não pode. Você comeu balinha ontem. Assim não dá, precisa de limite.
– Eu não quero limite. Eu quero balinha.

Mothern

A verdade e as formas jurídicas
(pra você, Sol)

- Let, será que eles vão te xingar?

Então, vamos começar do começo.

Batida sem seguro pra cobrir. Arrombamento que danificou a porta para todo o sempre. Falta de gasolina no alto de uma pirambeira em plena madrugada etílica (até já virou post, isso). Pneu furado no meio da BR 040 - e eu sozinha no carro, como não poderia deixar de ser. Roubo com direito a corrida dessa distinta proprietária que vos fala, em estado nem tão distinto assim (a bem da verdade eu esperneei e perdi completamente a compostura quando vi um ser desconhecido sentado ao MEU volante), atrás de ladrão e carro. Devolução do veículo então roubado com batidas na frente, atrás e na lateral, abandonado no meio da rua obstruindo o trânsito das dezoito horas de uma quarta-feira.

Pronto. Pra quem não conhece, Charlene é meu querido veículo automotor - e essas situações aí em cima formam, em conjunto, uma amostra do que significou pra mim ser a responsável por ela nos últimos três anos: alguma dor de cabeça e muitos prejuízos. Mas tudo bem, nunca foi e não há de ser por causa de um carro, muito menos da Charlene, que vou passar a vida reclamando dessaalguma dor de cabeça, sinceramente acho que sair pra comprar pão, leite e jornal pode ser uma atividade muito mais intensa, viva e estressante (além de mais limpinha) do que ter que parar um caminhão na BR pra perguntar como é que se usa um macaco.

Então, à Charlene. Como se não bastassem todos os episódios bizarros que esse automóvel já me obrigou a protagonizar, ontem ele se deixou ser singelamente substituído por um adesivo amarelo feio pra burro com os dizeres "o veículo de placa tal foi removido, maiores informações ligue 3277-6500". Ótimo. Era mesmo o que me faltava, principalmente considerando-se que, no momento em que meu veículo foi removido (eufemismo bhtrânsico para “rebocado e largado num pátio ermo e distante em meio a um sem número de forrecas, carros roubados, kombis não legalizadas, caminhões com placas clonadas e o escambau”), naquele exato instante, eu estava na fila do DETRAN renovando minha carteira de motorista. Ótimo. Tudo por causa de uma faixa-azul adulterada.

- Let, será que eles vão te xingar? – foi o que a Sol perguntou quando eu contei essa minha epopéia.
- Como assim, Sol? – eu, só pensando que amo demais essa menina e nunca vou conhecer ninguém nesse mundo com tamanha pureza, doçura e quase inocência para escolher palavras em algumas situações.
- Ah, sei lá, na hora em que você for buscar o carro, será que eles vão te xingar?

Pois bem, Sol, aqui vai a resposta: sim, eles me xingaram. Xingaram e da melhor forma que sabem fazer, eles, os seres e entidades que, juntos, formam o tal do Estado: entregaram-me um boleto bancário pra pagar uma conta astronômica pela estadia (ó, céus, a BHTrans é de fato a princesa dos eufemismos) da Charlene naquele pátio entre os monstros da contravenção e ilegalidade automobilística, o que implicou que eu ficasse numa fila de banco quilométrica e pensasse cento e noventa e sete vezes: "Sim, Sr. Estado, já entendi. Eu preciso mesmo de seu aval para ir e vir, não sei nem o que seria de mim sem o senhor. Prometo ser sempre uma moça direita para com as suas leis. Salve, salve, Sr. Estado!..."

Argh.

Pra mim, Sol, foi castigo suficiente.
Acho até que nem meu pai me daria sermão tão eficaz!

Da Estrangeiridade

E se eu te dissesse desisto, me rendo, deponho armas, hasteio a bandeira branca, me entrego, deu, era isso? Se eu confessasse que lá, não tão no fundo, já nem sei mais que começo tem meu mundo e que fim tem a minha rua se não começo ou termino o dia me sabendo tua em todos os sentidos, de cima para baixo, pele, da esquerda pra direita, língua, de fora pra dentro, olhos, de cá pra lá, voz, de dentro pra fora, cheiro, tu tomarias o meu país, demarcarias as minhas fronteiras, farias teu o meu território e me colocarias um nome desses bem bonitos para me chamar de minha pátria, meu chão, minha terra, para deitar em mim tuas raízes, fazer correr por mim teus rios e brotar em mim tuas sementes de linho, algodão, trigo amarelo, pêssego branco? Dispensei meus exércitos.
Aguardo teu desembarque em minhas costas.

Não Discuto

Virgilina 

O nome dela é Virgilina - e sim, ela é virgem, aos 80 anos. É a “Tia Nastácia” da família. Não, não! A Tia Nastácia era apenas cozinheira e a “Vigi”, a Vigi não. Os domínios da Vigi vão além da cozinha. Começam no nosso coração, imperam em nossos estômagos e comandam nossa memória afetiva. A Vigi é a terceira avó de todos nós.

Bate abaixo dos meus peitos. É negra. É a cara do Didi Mocó. É semianalfabeta, não sabe falar tapewear nem táxi nem tóxico. Mas eu cresci achando que era minha tia-avó. E só me toquei que ela não podia, por razões óbvias, ser minha parenta de verdade – por “de verdade” entenda-se biológica - quando já com 12 anos um amigo me chamou a atenção (“irmã da sua avó como se ela é negra?”). Foi um choque. Negra? A Vigi não tem cor! Nem eu! Ela não é negra nem branca, ela é a Vigi! E decidi que isso não tinha a menor importância. Ela é minha avó também. Minha terceira avó. E ponto final.

Cozinha maravilhosamente bem. Só comida caseira, daquelas que fazem a gente se sentir em casa mesmo, tranqüilo, protegido e com a vida pela frente. E quem experimenta não esquece nunca mais. É tão bom que quando ela fala "Ih, hoje só tem arroz com ovo que eu tô pobre..." a resposta é certa: "manda!!!!". E olha que eu não gosto de arroz com ovo. Mas na cozinha ela é Deus. E o ovo de gema molinha dela é perfeito. Redondinho e sorridente.

É daquelas pessoas que depois que se vão, você fala com o olho cheio d'água e mesmo ainda viva, a gente se emociona. E ela se diverte com isso: "Daqui a pouco papai do céu me leva...". E eu surto, brigo, digo que vou morrer primeiro. E ela dá risada da minha angustia, pode?

Cresci comendo Creme Cascata. Um sorvete de três camadas caseiríssimo, presença garantida nos almoços de domingo. Uma delícia protagonista de brigas de foice entre primos, irmãos, pais e filhos, avós e netos pelo último pedaço! O pomo da discórdia, o pecado da gula, feito com carinho para os todos os netos.

A Vigi tinha um soluço que durou anos e finalmente acabou – junto com o hábito de chamar a família toda até chegar no seu nome. Quanto mais novo, mais longa a cantinela: Abigail, Alice, Aurélinho, Eulina, Ariston, Beatriz, Lurdinha, João, Ania, Ceres, Espéria, Verbena, Anita, Elyda, Regina-ai-meu-Deus, Pit!!! Tudo entremeado por soluços altos e fortes que faziam seu corpo todo tremer e as crianças, bom, as crianças riam escancarado. E ela também.

“A vida é um buraco, um buraco é a vida...”. O bordão derrotista é repetido já há uma vida inteira, enquanto as mãos fortes ralam o coco que vai se transformar em cuzcuz famoso e requisitado. O cheiro do camarão seco – “tomando ar pra ficar bem sequinho” – invade a casa, molhando a boca e avisando: Caruru vem aí! E o povo já começa a sonhar com o Vatapá. Esperar o bolo esfriar? Ah, Vigi, não dá! Bolo fofo, quentinho... tentação de mais. Será que o pastor, Glória-Glória-Aleluia, sabe que sua ovelha nos leva à perdição com a luxúria dos sabores? Louvemos-ao-senhor!

Dedo de Moça

eu queria ser sutil

eu queria ser sutil
mas não sei por onde começar

a última vez que choveu na minha vida eu estava em paris. a cidade estava cinza.
poucos turistas na rua, em compensação. em paris fui a montmartre.
em são paulo, hoje, chuva, me encontrei fumando marlboro lights e lendo g magazine.
momentos de altos e baixos.
temporadas de muito sexo. períodos de secura.

eu não vou tomar coca-cola. não vou. não.

eu queria ser sutil
mas não sei por onde começar.

eu queria um baseado.
eu queria meu namorado.
eu queria combinações legais mas só encontro as rimas fáceis.

Black Bird

22.1.04

Quanto mais eu leio blogs alheios mais eu percebo como minha vida é banal.Parece que nesse mundo virtual, ao invés de nerd, o que seria comum, todo mundo é foda pra "caraleo", todo mundo bebe pra "careleo", todo mundo é mimado pra "caraleo", e milhões de eticeteras.Mas todo mundo posta todo dia, 3 vezes por dia no blog, uma no fotolog e comenta, no mínimo, 356 blogs dos amigos fodões dos caraleos.Então, juro, acho que Deus tirou metade do meu dia porque as vezes não dá tempo nem de ler os meus e-mails, mesmo eu não sendo foda, nem saindo pra balada todo dia.Bem, na verdade eu tenho saido pra balada quase todo dia.Só não saí sexta (o porque vou contar no próximo parágrafo), sábado só saí a tarde (inteira, até quase a noite, por sinal...e depois ainda fui marcar presença no bar do Adolfo, o recanto dos intelectuais que não estão de férias nas suas cidades) e hoje porque fiz faxina em casa.Mas fui dar uma andadinha com o Marelo.
Então, sexta eu (já contei essa história pra quase todo mundo que lê meu blog) trabalhei demais.Tava com TPM, anfetamina na cabeça, imagina só o grau de histeria. Fiquei com raiva, mandei a equipe inteira de reportagem ir se masturbar com um nabo beeeem grande e grosso (via anal, independente do sexo) e vim embora soltando fogo pelas ventas.Resolvi fazer uma aula de pump com muito peso, pra ver se tudo passava.Cheguei em casa 7:30 da noite esgotada fisica e mentalmente, tomei um banho, dormi com o dia claro ainda e só acordei umas 15 horas depois.Passei o sábado todo de mau humor.Hoje eu acordei e fui comer bolinho de carne na feira (tava com vontade desde terça-feira, mas não tive tempo de passar comprar) e aí o dia começou bem.Fui pra minha faxina porque, como vivo dizendo, limpar chão é terapia.Fiquei com o Antonio, passeie com o Marelo e tava super feliz que não tinha comido quase nada além do bolinho que pingava gordura.Mas o Antonio "fez" (eu nem gosto de comer mesmo!) eu comer um monte de coisas boas e agora acabo eu, nesse domingo, me lamentando por amanhã ser segunda-feira, bebendo uma coca-cola de 2 litros no bico.Degradante!
O que me anima é que terça-feira é dia de mocotó!

Contra Ataque

21.1.04

Segundo dia de férias

Eu já tive uma reunião ao meio-dia e terei outra às três. Mas vim de Melissinha. ;D

La fille

Tentando comprar um livro

Mandei emails para vários vendedores, querendo saber se eles podiam enviar para o Brasil.
Essa foi a primeira resposta que eu recebi:

"Hi; Thanks for your inquiry. We can certainly ship to Brazil (given the cold weather lately, I'd like to ship myself to Brazil!)."

Gringos com humor, quanta diversão.

Quatro mãos e um teclado

20.1.04

Ser francês

Ser francês é complicar as coisas, como por exemplo escrever livros sobre “a narrativa”, “o lazer”, “o olhar”. Um bom anglo saxão tiraria o cachimbo da boca e diria que narrativa é só uma historinha, lazer é bom, e olhar é só olhar, que é que tem?


O francês pega um pouco de água com a mão, e começa a dizer para a classe, “O que é isto, esta imagem, esta mão contendo em sua superfície uma porção de água como um lago? Podemos a princípio pensar...”, e continua falando sobre isso muito depois que a mão está seca.


Capítulos de Bachelard sobre “o fogo”, “a lareira”, “a idéia de domesticidade”. Eles podem falar horas sobre qualquer assunto, andando de triciclo e mantendo cinco bolinhas de borracha no ar enquanto fumam gitanes.


E eis o método francês de escrever: eles pensam enquanto escrevem. A prova disso é a sucessão de sinônimos ou quase sinônimos, como se eles estivessem procurando a expressão exata às apalpadelas: “a figura do maldito, do pária, do condenado pelo tribunal invisível da sociedade, daqueles que são enforcados no rito diário da sociedade civilizada, dos cafés, do trabalho, do amor – disso que chamamos amor, que chamamos casamento, na cidade burguesa que é uma vasta teia de aranha e onde nós somos a aranha e as moscas, que é um coliseu eterno onde somos cristãos e leões a um só tempo...”


Escrevem por associação de idéias, entram num transe.


Sim, ser francês é pensar enquanto se escreve, é pensar tarde demais; se os franceses parassem pra pensar antes de escrever, todos os seus livros teriam um só capítulo, e o resto seria e bibibi bobobó.


- Gaston Bachelard, sobre o que é o seu livro?
- Sobre o fogo e umas coisas assim. Sei lá eu.
- Bernard-Henri Lévy, sobre o que é o seu livro?
- Ah, era uma coisa sobre liberdade, não era?
- Jean-Paul Sartre, o que nos diz o seu livro sobre essa admirável figura de maldito, Jean Genet?
- Esqueci, era sobre Genet, eu dizia umas coisas sobre Genet, não dizia? Uma figura, sei lá, meio mártir, meio palhaço... Que era um maldito, e um santo, e bibibi bobobó...

Alexandre Soares Silva

19.1.04

(sobre o fichamento do piloto da America Airlines)

É o irmão perdido do ACM: clonaram o coisa-ruim.
Foi preso porque mandou a PF se fuder, direito exclusivo dos traficantes cariocas.

Fserbcombrv3

Uma mulher não quer que o homem fique perguntando toda hora o que ela quer. Ela não quer ser definida, mas compreendida. Não pretende discutir relacionamentos no fim da noite, mas os filmes que ainda vai assistir, as expressões que ainda vai aprender. Uma mulher escolhe inúmeras vezes a roupa não porque é volúvel ou tem dificuldades de decisão, mas para ver seu corpo em seqüência. As roupas são o espelho, o espelho não é o espelho. O que a mulher quer está longe de significar um controle remoto, ela deseja que seus ouvidos sejam rezados com insistência, em voz e vela baixas. Ela deseja que o homem adivinhe seu desejo. Que fale palavras rudes com ternura, que fale palavras ternas com violência. Que a paixão seja inventada, não datilografada em sinais e segunda via. Porque quando uma mulher goza sai de seu corpo, o homem fica em seu corpo a assistindo. O que um mulher quer é visitar a mãe sem medo da mãe. Falar com o pai sem medo do pai. A mulher quer a inocência do medo da infância. O que uma mulher quer é uma piada que a faça rir bonita, não uma piada que a faça rir de qualquer jeito. O que uma mulher quer é que o homem feche a porta de noite para ela abrir de manhã. Ela quer ter um filho para não se matar de amor por uma única pessoa. Uma mulher quer a esperança de não ser ela, ao menos mensalmente. Ela quer falar com as amigas o que um homem não sabe ouvir. Ela não quer que o homem mude de assunto porque não o interessa. Quer que o homem entenda que nem sempre ele é seu assunto preferido. Ela quer dançar para outros homens para chamar o seu para perto. Ela quer dançar sem pensar que dança. Uma mulher quer ser restituída de seus erros, quer que acreditem nela quando mente, que duvidem dela quando fala a verdade. Uma mulher quer percorrer a saudade e não se abandonar. Uma mulher quer Deus estendido como uma praia vazia. Uma mulher quer ser perfeita dentro de suas imperfeições, detalhista em suas expedições pelas sobrancelhas. Uma mulher quer conversar para se perseguir. Quer ser olhada nos olhos, na cintura dos olhos. Quer que a janela se incline como um girassol. Quer ser a paisagem de sua cidade à noite. Quer ir vivendo o que não entende. Quer dizer o que sofre para não sofrer do mesmo jeito. Uma mulher quer descer do mundo em movimento. Ter sonhos eróticos para embaralhar as lembranças da semana anterior. Criar uma outra mulher dentro de si que a contraponha. Que seja legível como um pássaro no escuro, um rio no escuro, uma fruta na água. Uma mulher quer se sentir pressentida ao andar de costas, nunca chamada ou assobiada. Uma mulher quer descansar com afeto, sem intenções outras, ter os cabelos alisados e um colo, para perdoar o dia. Ela quer que o homem a ajude a enterrar o passado com direito a uma cruz e um nome. Que a ajude a desenterrar o futuro. Ela quer andar no mistério, mas de mãos dadas. Ela quer ser surpreendida com um beijo nos ombros, agradecer um espanto. Ela quer que a felicidade não seja permissão. Ela quer conferir se tudo vai dar certo para errar com vontade. Ela quer descobrir o que a vida quer dela nem tarde ou cedo demais. Ela quer que o homem feche as antigas relações e os frascos do banheiro. Uma mulher não quer que o homem fale por ela, como eu tentei fazer.

Fabrício Carpinejar

minha irmã me presenteia o dia todo com pérolas de cinismo, ela é uma das pessoas mais engraçadas que eu conheço (apesar do mau-humor). hoje ela me mandou essa:
"tudo aquilo que algum idiota diz que é urgente, é algo que este imbecil não fez em tempo hábil e quer que você se foda para fazer em tempo recorde!"

ZEL, a joanina rabugenta

Não contentes em fazer um eventual pênis crescer em mim, agora o povo do spam está me oferecendo Viagra e Valium.
E entregam em casa.

Bolo de cenoura com cobertura de chocolate e milkshake de Ovomaltime ninguém oferece, né?

Uia!

O calor insuportável tem me feito pensar em suicídio 5 vezes ao dia. Meu único alívio é chegar em casa e vestir a cueca que deixo na geladeira.
Amigo meu, mais radical, costuma também deixar o papel higiênico no refrigerador. Uhh, delícia...

Radamanto

- O keyneseano é um marxista holístico.
- O agnóstico é um ateu holístico.
- O bissexual é um viado holístico
- O stalinista é trotskista um holístico
- O blogueiro é um palpiteiro holístico.
- O advogado é um despachante holístico.
- O arquiteto é um decorador de interiores holístico.
- A ONU é uma ONG holística.
- O maiô é um biquíni holístico.
- A interdisciplinaridade é uma bagunça holística.
- O cowboy é um vaqueiro holístico.
- O holismo é uma heresia holística.

Pró Tensão

Vários filósofos descobriram o segredo do universo.
Mas como é segredo, não contam.

FDR

18.1.04

gritos

gritava e gritava e gritava, até que aparentemente não tivesse mais de onde tirar forças, vontade ou coragem de gritar. e gritava e gritava e gritava, dando medo aos que o circundavam e receio aos que à distância observavam a cena, o homem ajoelhado no meio do asfalto, gritando, gritando e gritando sem parar, o dó nas senhoras, a reprovação dos passantes em geral, as buzinas dos carros estridentes, e os gritos os gritos os gritos. o sol escondido pelos prédios altos e arranha-céus, o ar polúido pela emissão de gases e gritos gritos gritos.

tudo isso porque ragatanga não saía de sua cabeça.

e gritava e gritava e gritava.

como assim dois uísque?

ENTÃO CANCELA !!

1- Eu liguei pro Realvisa e pedi pra diminuírem a anuidade, que ia pra 4 x 24 reais. A atendente disse que era impossível. Eu disse: "então cancela". Ela respondeu: "mas senhor, o cartão é um cartão bom demais, etc. Eu disse:--Não vejo motivo pra pagar 100 merréis por mês pra pagar minhas contas com um pedaço de plástico. Ela disse: "mas senhor, nosso produto é diferenciado. Não podemos abaixar o valor" Eu disse: "então cancela". Aí ela disse: "espere um minuto, por favor....senhor podemos deixar pelo valor que está, 4 x 16 reais.
Eu disse: "então cancela". Ela respondeu: espere um minuto, por favor...senhor, podemos deixar por 3 x 16 reais.
Eu disse: "Não quero. Cancela." Ela novamente disse: "espere um minuto, por favor...senhor, podemos deixar então por 2 x 16. Aí eu concordei, mas tive a impressão que poderia sair dessa negociação com o Realvisa me pagando pra usar aquela merda....

2- A TVA reajustou os preços. Eu disse que não ia pagar aumento nenhum. A atendente respondeu: "Senhor, infelizmente não podemos fazer nada". O que que eu fiz? Liguei pra Net e assinei com eles. Liguei pra TVA e disse: "cancela!
A atendente robótica disse: "senhor, espere um minuto...o senhor não precisa cancelar. Manteremos o preço como está". Respondi: "Agora eu não quero, só estão me isentando do aumento porque eu estou cancelando!"
Eles ficaram desesperados, porque eu estava cancelando 2 pontos de pacote total e mais a internet de alta velocidade.
Abaixo seguem as propostas que eles continuaram fazendo e as minhas respostas:
- isenção de uma mensalidade - "Cancela"- isenção de duas mensalidades - "Cancela"- manutenção de apenas 1 ponto mais desconto permanente de mensalidade -
"Cancela"- manutenção de 1 ponto com pacote reduzido mais desconto permanente -
"Cancela"- proposto acima com inclusão de HBO e mais algumas mensalidades reduzidas
com internet de alta velocidade." -"Cancela.Cancela.Cancela!"
Cancelei e agora pago mais barato.

3- Quarta eu fui jantar num restaurante, e esqueci meu celular lá. No dia seguinte, eu liguei pra Vivo e pedi que desligassem o número por segurança, até eu recuperar o aparelho. A atendente disse, naquela língua do gerúndio odiosa: "senhor, estaremos cobrando uma taxa de 24 reais. " Eu me indignei: "como é? eu pago 60 reais pra usar o mês inteiro e vou pagar 24 reais pra não usar o celular por três dias?" Ela respondeu que não tinha jeito. O que que eu disse? "ENTÃO CANCELA!"
Aí ela disse: "senhor, um minuto que eu vou estar lhe passando pra outro setor." Atendeu uma outra mulher que disse que eu "poderia estar fazendo o cancelamento sem estar sendo cobrado pelo serviço. " Eu respondi que se ela estivesse fazendo isso eu ia estar agradecendo. De qualquer maneira, comprei um celular da Tim (125 minutos por 55 reais) e vou dar um chute nessa Vivo semana que vem. Vai ser divertido ver eles implorarem.

Não esqueçam as palavras mágicas: Então Cancela!

JACK ON THE WEB... Jack On the WEB...

O meu pai uma vez me disse que é bom ser assim, do jeito que eu sou, porque eu me destaco da maioria.

A paternidade não pode fazer bem às pessoas, simplesmente não pode.

me Jane you Tarzan

16.1.04

talvez eu não tenha lido os livros certos.
ouvi os discos errados
comi o que não devia
vi o que não podia
agora já foi.

jornalismo

Maldição de Murphy: é só dar sign out no blog e me vem um assunto pra escrever.

catarro verde

aos treze anos, eu era um pré-adolescente insuportável e cafona. eu achava o máximo usar 40 milhões de pulseiras ao mesmo tempo, e eu falava sobre o che guevara sem saber a sua nacionalidade. mas uma vez, eu tive uma sacada ótima;
a minha mãe disse "eu não suporto o seu tipo pseudo-intelecutal" e eu respondi "ai, o que é pseudo?"

adoçante

Coração leviano

Meu coração tem braços, pernas e rosto. Sim, ele tem. As pernas são curtas e grossas demais, os braços são longos demais, o rosto é feio e os dentes são tortos. Muito parecido comigo, meu coração.
Dormiu durante anos, então foi um susto imenso quando, há quase oito meses, ele foi acordado por uma voz e resolveu sair para ver de quem era: escalou pelo esôfago, dependurou-se na glote, usou a língua como trampolim e saltou. Muita disposição para quem dormia ainda há pouco. Quando pensei que ele ia esborrachar-se no chão – o que seria merecido, dado o atrevimento – ele abriu um par de asas. Feias, murchinhas, encardidas, mas ainda assim! Asas! Deu duas voltas pelo bar e veio pousar em meu ombro. Olhou para a dona da voz e resolveu nunca mais voltar aqui pra dentro, encantado por sei lá que tom de azul nos olhos e sei lá que tom de fina ironia na voz.
Agora ele vive assim, orbitando minha cabeça por onde eu vou. Às vezes ele sai, anda um pouquinho até ali, depois volta. Agora mesmo está tomando café lá na copa enquanto escrevo. Sinto-me meio constrangido com esse coração desavergonhado, sem pudor nenhum de mostrar-se a todo mundo. Eu olho para as outras pessoas, e todas elas têm corações disciplinados e obedientes, muito bem trancados dentro de suas caixas torácicas. Por que justo o meu tinha que ser assim rebelde?
Vez em quando ele pousa aqui no meu ombro, para ler algo que ela tenha escrito, ou então – mais raro – para ouvir sua voz. Às vezes o que ela escreve ou diz o deixa num estado de júbilo insano, e ele sai dando piruetas, fazendo acrobacias no ar, exibindo-se para espanto dos outros e para minha total vergonha. Em outras ocasiões, o que ela diz – ou, mais freqüentemente, o que ela deixa de dizer – o deixa cabisbaixo. Então ele vai para um canto, encolhe as asas e fica lá retorcendo as mãozinhas e resmungando. Nessas horas, eu bem sei, ele pensa em voltar aqui pra dentro e retomar seu sono confortável. Mas seu orgulho é muito grande, e ele jamais aceitaria tal derrota.
Vai ficando por aí, portanto. As pessoas apontam para mim, cochicham, riem. Aos poucos eu me acostumo.

Jesus, me chicoteia!

Imagino se sabes da minha devoção à simplicidade do teu amor, que se fez a despeito das contra-expectativas, dos rumos duvidosos, da incredulidade à espreita. Meus medos te cospem no rosto e tu os desafias, manso e pacífico, inabalável em tua determinação. Eu te duvido, te desacredito, te renego e tu sorris, acaricias meus cabelos, catas os espinhos escondidos entre as mechas, me pões uma cereja na boca, apascentas meus olhos com tua sinceridade infantil, me pegas pela mão, úmida de ansiedade, e me levas contigo por sobre os telhados.

Não Discuto

15.1.04

Altos papos com vovó:

- Vó, você era comunista?
- (indignada) Nããão... Eu sempre fui católica!

me Jane you Tarzan

QUEM GANHA É A CARTA

A vida, para o meu caríssimo FDR, é comparável àquelas situações em que você só tem um cigarro e o acende do lado errado. Eu já penso que ela é igualzinha àquele quadro do programa Silvio Santos em que as crianças eram levadas para dentro de um foguete, com tampões de ouvido, e tinham de responder "sim" ou "não" -sempre gritando, "SIIIM!", "NÃÃÃO!"- às perguntas do apresentador (sem ouvi-las), a cada vez em que a luz vermelha se acendesse. Tenho certeza de que troquei um harém ou um palácio de Versalhes por uma caneta Bic sem carga. Mas não posso me queixar -ela é ótima para coçar as costas. É preciso imaginar Sísifo coçando as costas e feliz. (Pensando bem, não dá pé. Se Sísifo parar para se coçar, a pedra rola por cima dele e o esmaga. Oh, vida.)

puragoiaba

Torturaram-me!

E se você descobrisse que uma parte da sua família tem passos de dança, a routine, tudo muito bem coreografado, e que, não obstante a sua dedicação sobre-humana, você, inepto ébrio, não conseguisse decorar aquela coisa tão 70's? Vergonhoso. Lamentável.

Tem gente que começa escrevendo artigos com "Lamentável. Mais uma vez o Brasil dá provas de que...". Gente porca.

A tortura vai cessar, vai, vai. E passarei a escrever mais a palavra cãibra, porque é bonita do jeito que é. "O Pinto Que Tinha Cãibra". "O Cãibro d’Angelico". "Morreu de Cãibra ____" (no pinto, no coração, etc. Inúmeras variações aqui).

O que eu vou ganhar de aniversário? Não me dêem coisas de pobre.

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A pale cast of thought

Não sou um de vocês. Não sou sabedor de coisa alguma. Sou parte do legado de nossa miséria. Tudo em mim é fragmento.

Nos vãos do meu espírito ecoa o soturno tugido de um urutau, que me tresnoita a existência, repetindo: "sofra mais". Sou um leguelhé fanhoso, recém apeado da puerícia, mas já engolfado pelos olhos sardônicos do mundo.

Hoje o teen finalmente desgruda da minha idade, alijando a wertherite aguda responsável por posts surreais.

I’ve stitched lies upon my patchable soul. Mea culpa. A alma gentil e carinhosa não pode ser responsabilizada pelas ilusões por mim projetadas naquele feerismo fóguico que me preenche o coração, o mais apertado dos infinitos.

Forjando-me prócer, ouço de meu púlpito a ensurdecedora balbúrdia de meus conviventes, que me ignoram o cansaço – e o medo de tornar-me promissor para o resto da vida.

A Stirre's Secret Lair

Na casa da mãe ainda tem uma vitrola. E lp's. Muitos. Quando vou visitá-la sempre aproveito a ocasião para ouvir alguns vinis que não encontro em CD de jeito nenhum: "Um Cavaquinho Acontece" de Waldyr Azevedo, "Africa Goes Disco" com John Ozila (alguém mais tem esse disco?) e "Moscou" da franquia alemã do grupo "Gengis Khan". Este último é o meu "trash dos trashes". O grupo é o que o ABBA seria se os seus integrantes fossem membros da facção gay da juventude hitlerista, ou coisa assim. Se não ouço um dos três discos fico com a impressão de que faltou alguma coisa.

Letra Morta

14.1.04

Eu achava que não gostava daqueles abraços de homens que ficam com vergonha de se abraçar e trocam aquela espécie de semi-abraço, aquela coisa meio de lado, só os ombros se tocando, na certa achando que abraço de frente é viadagem.

Pois bem, descobri que o que odeio mesmo, muito, é homem que dá abraço de verdade mas, para parecer mais másculo, viril, o que seja, aplica uns tapas daqueles de fazer vibrar a louça nas costas do amigo.

palavras brutas

Existem algumas maneiras simplesmente sensacionais de começar o dia. Descobri uma delas.
E não vou contar.

Perolada

as vezes tenho uma leve suspeita que o meu tempo é esquizofrênico. tem uma dupla personalidade. duas persoanlidades bem claras. é. as vezes o meu tempo demora mais do que o normal para passar. e as vezes, o fila da puta voa. agora por exemplo, olhei para a porra do relógio e levei um susto. caceta, já são quase três da tarde. tenho certeza que se eu perguntar pro carinha que senta na minha frente que horas são, ele vai dizer que ainda são onze da manhã. tem dias, por exemplo (geralmente uma sexta-feira) que o tempo se arrasta. demora. pula numa perna só. tenho que levar o meu tempo para o analista. fazer o fila da puta se "encontrar". desabafar. fazer o ponteiro dos segundos, o ponteiro dos minutos e o da hora se entenderem. descobrir que caráio ele (o meu tempo) quer fazer com a sua vida: voar ou se arrastar? porra. numa boa. é bem cafuzo as vezes. é complicado se acostumar com essa putaria. o meu tempo é assim. chegou voando até as três da tarde. mas agora, só de sacanagem--de filha da putice mesmo-- vai se arrastar até as oito. de pirraça mesmo. já adiantei o relógio pra ver se eu pegava ele (o tempo) no jogo dele. mas o viado sempre me pega antes. fila da puta. se amanhã ele continuar assim-- vou tomar uma decisão séria. vou ligar para um psiquiatra dos bons e marcar uma consulta. "boa tarde!? é do consultório? então, eu queria marcar uma consulta com o psiquiatra!" aí a secretária perguntaria: "mas é claro, qual é o nome do paciente?" e eu, com uma mão tampando o meu relógio, simplesmente diria: " swatch! relógio swatch. e por favor, não estranhe se o fila da puta chegar atrasado. ou adiantado. ou na hora... "

caráio

"Era um douto, ao dar-me disse dou-to."

-- inscrição anônima no reservado feminino da Academia Brasileira de Letras, anos 90.

Prosa Caotica

O Vendedor de Catracas e o Imperador do Castelo das 999 Pontes Azuis

Pedro Cardoso - Pau-La-Pin
Alexandre Garcia - Imperador
Paulo César Pereio - Sábio do Condomínio Fechado
Serginho Chulapa - Uirapuru Grená


Era uma vez Pau-La-Pin, um jovem vendedor de catracas que vivia em um pequeno vilarejo à beira do rio Pin-Hei-Roo. Como nas aldeias da região todos já faziam uso dos seus controladores de circulação, o jovem vendedor de catracas resolveu partir em busca de novos mercados e conquistar negócios mais nobres em terras mais distantes.

Pau-La-Pin despediu-se de sua família. Beijou sua mãe, que chorava copiosamente, abraçou seu pai, que tocava lamentos de despedida em um instrumento feito de ossos de texugo, deu uma rapidinha com suas três esposas. Assim, o jovem vendedor de catracas partiu em viagem rumo ao Castelo das Pontes Azuis, acreditando que o Imperador pudesse - quem sabe - lhe firmar um contrato de exclusividade para as 999 pontes que conduziam ao Castelo.

Durante a longa viagem, por vezes extenuante, passando por desertos escaldantres e pântanos contaminados; atravessando rios caudalosos e furimbundos; ultrapassando montanhas que pareciam lamber os céus; fugindo de baratas, aranhas e pequenos roedores; copulando com preás e flamingos; Pau-La-Pin pensava até em desistir, questionando sua ambição por novos mercados para suas catracas.

Porém, depois de meses de longa jornada, o Castelo das Pontes Azuis emergiu na paisagem coroando o mais alto pico acima de um vale profundo coberto de nuvens muito brancas. Suas 999 pontes conduziam a um imenso portão principal com o formato da cabeça de uma garça azul. Tudo estava em silêncio e não se ouvia nem o zumbir de um inseto. Pau-La-Pin atravessou a ponte principal e adentrou o enorme Castelo despovoado. Seus passos ecoavam nas paredes ricamente adornadas. Lá dentro, no centro do Salão Esférico, todo recoberto de ouro e jade azul, encontrou o Imperador em seu manto de seda azul, sentado em seu trono azul, que a tudo monitorava por suas câmeras de segurança azuis.

– Ó nobilíssimo Imperador do Castelo das Pontes Azuis, vejo que possuis muitas pontes que conduzem ao seu castelo. Eu vendo catracas. Tamos aí nessa boquinha?

Ao que o sábio Imperador respondeu:
– Ora, ora, meu jovem e afoito vendedor de catracas… É muita petulância dirigires ao Imperador desta forma. Nós já possuímos um serviço de segurança magnífico, com monitoramento por satélite, infravermelho, raio-laser americano e o escambáu. Por que compraria catracas mequetrefes de um coitado como tu? Saibas que aqui no Castelo das Pontes Azuis apenas aceitaríamos nada mais e nada menos que a Catraca Perfeita. Tens essa Catraca Perfeita em estoque para pronta entrega?

Pau-La-Pin, assustado respondeu:
– Olha, no momento estamos em falta da Catraca Perfeita. Não serviria talvez uma Quase-Que-Perfeita com sensor ótico digital e cinco anos de garantia?
O Imperador levantou-se visivelmente transtornado e bradou:
– NÃO! Somente a Catraca Perfeita poderá ser instalada no Castelo das Pontes Azuis! Ó intrometido vendedor de catracas, se não trouxeres a Catraca Perfeita em exatamente 7 luas mandarei atirá-lo no Abismo das Nuvens Eternas que cerca o Castelo, onde as pessoas demoram 99 anos para atingir o fundo, que por sinal está repleto de cocô de dragão e guimbas de cigarro. Agora vá e não retorne sem a Catraca Perfeita. E com manual de instalação traduzido. Você tem sete luas! Vá!

Como que do ar, materializaram-se em torno de Pau-La-Pin 99 seguranças que o arrastaram até o fim da ponte principal.

Pau-La-Pin desolado, não sabia o que fazer. A lua, que emergia no céu e parecia sorrir-lhe com escárnio, avisava que seu tempo já estava correndo e que ele deveria partir imediatamente em busca da Catraca Perfeita. Claro que todos buscamos a Catraca Perfeita – pensou Pau-La-Pin – mas onde eu poderia encontrá-la?

As luas foram se sucedendo e por muitas terras perambulou Pau-La-Pin. Porém ele não descobriu quem soubesse aonde poderia encontrar essa tal Catraca Perfeita. Isso é apenas uma lenda, diziam. A Catraca Perfeita não existe; mais cedo ou mais tarde todas apresentam algum defeito de hardware, software ou nas partes mecânicas. As coisas tendem a degringolar, é assim mesmo, não tem jeito, é o princípio da entropia e bla bla bla. Mas Pau-La-Pin continuava obstinado em seu propósito de – mais do que agradar o Imperador – encontrar essa tal catraca. A Catraca Perfeita.

Depois de seis luas, com bolhas nos pés e chorando sentado em uma pedra à beira de um riacho, um uirapuru grená pousou no ombro de Pau-La-Pin e lhe disse:
– Crá! Se quiserdes encontrar a Catraca Perfeita deves procurar o Sábio do Condomínio Fechado. Crá!
– Claro! Que 9 mil gafanhotos comam minha túnica! Por que não pensei nisso antes!? O Sábio do Condomínio Fechado saberá me ajudar! Obrigado, uirapuru grená.
– Crá! Obrigado nada, vai... Ah, deixa pra lá! Tou só aqui para encurtar a história mesmo.

Exausto por sua busca interminável, o jovem vendedor de catracas finalmente chegou ao Condomínio Fechado com muralhas de 9 mil metros de altura e, pelo interfone, perguntou:

– O Sábio do Condomínio Fechado está aí?
– Vou ver se ele pode atender. Quem gostaria?
– É Pau-La-Pin.
– De onde?
– Pau-La-Pin, o vendedor de catracas.

O vendedor de catracas escuta pelo interfone vozes abafadas:
– É a pizza?
– Não, ó Grande Sábio do Condomínio Fechado, é um vendedor de catracas.
– Putamerda, de novo! Todo século aparecem esses malas, não faz nem uma década não apareceu aqui o vendedor de filtros de piscina, procurando o filtro de piscina inemtupível? Alou, fala rapaz!!!
Pau-La-Pin gaguejando responde:
– Ó Sábio do Condomínio Fechado, onde é possível encontrar a Catraca Perfeita, satisfazer o Imperador do Castelo das 999 Pontes Azuis e assim conquistar negócios mais nobres em terras mais distantes e por conseguinte ganhar mais um dim-dim para melhor poder sustentar a minha família?
– Hein? Por favor, você pode falar mais perto do interfone? Está com malcontato…
– Sim… Oi, tá me ouvindo? Alou? Viu, seu Sábio, onde é que eu encontro a tal Catraca Perfeita?
– Não é Sábio. É Fábio. Todo mundo acha que é Sábio por que o interfone tá com chiado. Mas é Fábio, viu? Eu sou o Fábio do Condomínio Fechado.
– Ahhh.
– Mas claro… Você deve ser o jovem vendedor de catracas em busca da Catraca Perfeita… Pois muito bem! Ouça com atenção o que tenho a lhe dizer. Só vou dizer uma vez. O interfone tá uma bosta. Tá ouvindo? Pois então, escuta só: Nenhum homem é uma ilha. Tá entendendo? Assim como nenhuma mulher é uma península. Nenhuma criança é um golfo e nenhum Imperador, por mais gordo que esteja, é uma montanha. Tá certo? Mas o soldado raso pode vir a ser um cabo. Entendeu? Bom, então é isso. Se o cara da pizza aparecer diga para passá-la por debaixo do portão, que o botão que abre a porta não tá funcionando direito também. Obrigado e boa noite.

Atônito, Pau-La-Pin apertou mais uma vez o botão do interfone.
– Mas como assim? Como assim? - Mas mais nenhuma resposta foi dada. O interfone realmente estava uma bosta.

Como seu prazo estava se esgotando e a última lua já surgia no céu, Pau-La-Pin decidiu voltar ao Imperador do Castelo das 999 Pontes Azuis e aceitar seu destino.

– E então, vendedor de catracas – disse ríspido o Imperador do Castelo das Pontes Azuis – onde está a minha Catraca Perfeita?

Cabisbaixo, diante do Imperador, Pau-La-Pin se curvou, fez todas as reverências possíveis e quando abria a boca para dizer que não havia encontrado a Catraca Perfeita sua mente se iluminou. Então disse ao imperador:

– A Catraca Perfeita, ó nobre Imperador, está dentro de nós mesmos.

O rosto do Imperador subitamente também se iluminou. Um grande sorriso desabrochou em sua face corroída pelas rugas seculares de preocupação com a segurança de seu castelo.

– Dentro de nós mesmos? - Perguntou, coçando sua longa e fina barba branca.
– Sim. A Catraca Perfeita é a Catraca Interior.
– Puxa vida, legal! - exclamou o Imperador - Bacana isso aí que você falou.
– Legal, né? Saquei isso agorinha mesmo. Puta lance místico. Assim, pum, de repente, saquei tudo!
– Superlegal, nossa, muito cabeça mesmo. Catraca Interior, gostei. Olha só: Meu caro vendedor de catracas, agora você passará a ser o Catraqueiro Oficial do Império com direito a prioridade em todos os contratos feitos em todas as pontes do reino e comissão de 7% nos demais equipamentos de segurança instalados. Gostou? Pois agora levante-se.

Pau-La-Pin sorridente ergueu-se sobre suas pernas cambaleantes. O Imperador colocou a mão sobre o seu ombro e ambos atravessaram o portal com formato de cabeça de garça azul e caminharam sobre as pontes azuis suspensas sobre o Abismo das Nuvens Eternas e brancas.

– Está vendo essas 999 pontes azuis? Você terá o controle de acesso sobre cada uma delas. Mas antes vamos só rever esse lance de catraca interior. Quer dizer que a Catraca Perfeita está dentro de você, não é?
– Sim.
O Imperador fez um gesto com a mão. – Seguranças, abram a barriga desse desgraçado. Se não encontrarem nenhuma catraca dentro do infeliz, joguem o corpo no abismo.

E assim foi feito. Como a Catraca Perfeita era apenas uma metáfora muito ruim, até hoje Pau-La-Pin continua caindo em direção ao fundo do abismo onde só há cocô de dragão, guimbas de cigarro e várias carcaças de espertalhões que acharam que poderiam engambelar o Imperador do Castelo das Pontes Azuis com literatura de auto-ajuda de terceira categoria.

O Sinistro

Sabe o que daria uma boa história? Algo sobre um palhaço, que faz as pessoas felizes, mas por dentro, ele é bem, bem triste. E mais: ele sofreria de um tipo raro de diarréia

Eu tinha tudo planejado... sim, há vezes que eu planejo o que eu vou escrever. O que faz de mim um obcecado por este blog. O que é assunto pra um outro post.

Ontem, antes de dormir, eu fiquei deitado na cama pensando sobre várias coisas, entre elas, na reportagem que vi na TV sobre uma espécie de ópera nudista. Eu adoraria vê-la, porque quando os cantores atingem as notas agudas, aposto que dá perceber nas suas genitálias.

E pensei em algo realmente legal. Eu não lembro sobre o que, mas aquilo me entusiasmou tanto, que eu senti a necessidade de levantar, procurar papel e caneta, e anotar. Tudo isso no escuro. Seja lá o que fosse, eu queria me lembrar para postar no blog.

Então hoje de manhã, depois de tomar meu café, eu fui procurar pelo tal papel, certo de que algo realmente hilário estava prestes a ser escrito.

Achei um papelzinho amarelo. De um lado, estava o nome de uma música que eu tinha ouvido no rádio, e pretendia pegar na net. E do outro, escrito de uma maneira quase ilegível, "eu nunca cavalguei um elefante".

Acho que talvez eu esteja desenvolvendo um tipo de senso de humor altamente avançado.

Aquele que nem eu consigo entender.

Pilo

13.1.04

Um amigo constuma dizer que fulano é “bacana”, o ambiente é “bacana” e gente chic é muito “bacana”. Outra, diz que “ama” o namorado, “ama” doce-de-leite, “ama” o pôr-do-sol e “ama” tudo que, enfim, gosta, aprecia ou, coincidentemente, ama. Ambos, o “bacana” e a “amante”, com menos de trinta anos e educados em famílias educadas. Mas sofrem do mesmo mal contagiante de uma geração, que é a da perda dos adjetivos. A geração com menos de trinta não sabe adjetivar. Não sei a razão disto, mas o fato é que só existe o padrão do “tudo” ou “nada”. Sorvetes de creme são amados ou odiados. Não são cremosos, doces, saborosos, deliciosos ou supinpas. Apenas são amados. Gente interessante não é fina, sofisticada, perspicaz, educada, polida, elegante, boa, afetuosa, vivaz, ou simplesmente espirituosa. Se tiver algumas dessas qualidades, ou, não as tendo, for simplesmente rica, é apenas “bacana”. Há uma supressão de valores intermediários, que são jogados no arcobouço do “in” ou “out”, em perfeita harmonia com o que é nossa sociedade brasileira. Ou você está dentro, ou, amigo, você está no limbo social. A toda uma geração, mais do que adjetivos, falta é criatividade. Não é uma geração tão bacana quanto pensa ser.

amarar

Você, amiga, certamente já passou pela situação de achar que tinha encontrado seu príncipe encantado, a outra metade da sua laranja, a azeitona da sua empada e a criatura ser suuuper atenciosa, amada, querida, fofinha, etc, até o caldo começar a engrossar.

Abre parênteses:
O caldo começa a engrossar quando: vocês já saíram umas vezes, já conversaram bastante, já transaram algumas vezes e foi muito bom, já se ligaram pra saber como andava a vida e ... e agora?
Fecha parênteses.

E aí, o seu pretê (expressão roubada do 02 Neurônio) começa a se fazer. É. Não liga, atende o teu telefonema super ocupado e diz que te liga depois e não liga, vai sumindo aos poucos, como quem não quer mais nada (ai!), saindo à francesa. Sacumé?

Então, das três, uma:

(1) Ou o cara cai em si e vê que se continuar bancando o idiota, vai pro espaçoooo e resolve fazer a coisa como tem que ser,

(2) ou você dá um S2 no pretê (subsolo 2, onde se guardam as tralhas - expressão by Grazi) e desencana,

(3) ou você senta com o querido e fala a verdade: "- Aqui ó, canditados a passar horas agradáveis comigo têm filas e filas. Se é só isso que tu estás afins, pega a ficha 15 e espera a vez".

Se, nem assim, ele se coçar, a rotina a executar é :

1) Delete;
2) Lixeira;
3) Esvaziar lixeira;
4) Abrir documento novo.

megeras magérrimas

Florianópolis foi assim:

Choveu. Digo, no primeiro, segunda e terceiro dias. Com aquele friozinho, sabe como é? Achamos que ia ser muito coisa de turista ir pra praia e ficar arrepiada que nem galinha. Deixa pra quando sair o sol, sem apelar.

E o quarto. Sim, achamos que fosse um pequeno apartamento, mas na verdade, era um quarto com cozinha e banheiro e sacada. E árvores fazendo sombra na sacada. Que ótimo, o quarto era fresco. E a cozinha. Uma geladeira toda pra nós! Das grandes mesmo, não daquelas pequeninas. E que você enche com as próprias coisas que quer e não com castanhas de caju e Sprite que você sabe que vai comer as castanhas e que elas vão custar 4 vezes o que custam no mercado e ter que tomar Sprite porque é o único refrigerante que tem e bem, serve ele mesmo afinal. Não, nada disso. Nossas próprias comidas.

E a cozinha, né? Todinha equipada, disse o dono lá da pousada. Todinha, realmente. Até forma de pizza. Até potinhos daqueles que a gente usa para fazer gelatina. Tudo lá. Tudo mesmo.

E o banheiro. Limpinho. Com chuveiro que esquenta quando você precisa e esfria quando mais quer. Delícia das delícias.

Daí, né, que a geladeira era estranha. Colocamos queijo, leite, mortadela, pão e frutas lá, mas como ela não gelava muito, acabei girando o trocinho lá do termostato e esperamos que tudo acabasse bem. Acabou foi com o leite talhado a mortadela estragada, a margarina mole e bem. A geladeira decidiu que em vez de gelar mais ia repetir ciclos de descongelamento sucessivo. Ótemo, ótemo. Até que Respectivo fez lá qualquer coisa e ela voltou a ser uma geladeira comum. Mas nós perdemos totalmente a confiança na bichinha e nunca mais. Só água.

E os utensílios da cozinha? Tudo velho e acabado e mal cheiroso. Sabe panela velha que você leva pra casa de praia porque só vai lá mesmo no fim do ano e muito bem? Desse jeito. E os talheres, aqueles com cabo de madeira, meudeus, eu me assustei só de pensar no tanto de bactérias ali contidas. Nojento. Aquela madeirinha que só de molhar fica meio mole. Sabe como é? E a gente elogiando a iniciativa de colocar sobre a pia uma bucha nova e um detergente de maçã.

A cama, ódeus, a cama. O colchão côncavo. Você se deita na beira e sai rolando até o meio da cama. Cansativa a luta para ficar no lugar em que quer durante a noite. Escolha o morrinho na beirada para ficar na parte em que o colchão ainda pode sustentar o peso de uma criança de doze anos ou o meio da cama, onde não vai precisar se esforçar para não rolar, mas onde o colchão tem 3 dedos de espessura.

E o banheiro, tão lindo e cheiroso e limpo. Tente ir ao mesmo banheiro uma semana depois, sem troca de roupa de cama, sem limpeza oferecida pela pousada e com as formigas gigantes andando do chão, próximo ao vaso, até o quarto, embaixo da cama. Medo, medo mortal. Gigantes, assim como do tamanho de uma falangeta.

Mas pelo menos não tinha baratas. Uau, sem baratas, é realmente um alívio. Até que eu vejo uma enorme mancha marrom se deslocando sobre a parede branca e Respectivo vai lá, corajosamente armado com uma sandália minha para esmagá-la, sem dó. É assim, pessoal, o mais forte vence o mais fraco. Mas ele erra e ela voa! É uma barata voadora. Ela não só foi alimentada com a mesma substância que fez com que as formigas assumissem aquele tamanho descomunal, mas ela também tem asas e sabe usá-las. Ela se esconde entre as minhas roupas, dobradas sobre a bancada que separa a cama da "cozinha equipada" e foge em seguida.

Melhor colocar as bolachas água sal dentro da geladeira traidora.

Enfim. Nos três primeiros dias com chuva, não há muito o que se fazer. Tentamos ver o Senhor dos Anéis do ÚNICO cinema aberto da cidade, no shopping, mas todas as pessoas dos estados do RS, PR, SP, RJ e SC, que estavam na ilha na mesma situação, aparentemente tiveram a mesma idéia. Foi impossível. Os outros cinemas entram em recesso de fim de ano. Veja bem. Um cinema. Fechado. Durante as férias num local turístico. Cof-cof. No further comments.

Sobrou uma visita ao Centro da cidade para comer o famoso pastel de camarão com recheio de 100g. A inacreditáveis 8 reais. Fala sério! 8 reais por um pastel? Vá lá. Era gostoso e. Bom. Depois, fomos à Casa da Alfândega e vimos artesanato da ilha. Choveu. Ficamos presos um instante. Saimos para andar e procurar um banheiro. Dizem que em todo o mundo os banheiros do Mac são limpos e confiáveis e lá fomos nós. Parou de chover. Fomos ao Museu Histórico. Não é lindo fazer passeios culturais. Seria. Se o museu não estivesse fechado numa terça-feira.

óbem. Mas depois houve sol e houve praia e passeios felizes e vimos a querida Mi e o querido Lípio que estavam por lá, amigos meus, e conseguimos conviver em relativa paz com a geladeira, as formigas e baratas gigantes, a sujeira (pouca, que tentávamos não ser muito sujantes) e decidimos comer fora todos os dias, exceção feita para a noite em que assamos um pizza Sadia. Depois que acabou o mata-mosquitos de tomada, descobrimos que ali também vivem pernilongos.

Ao menos não fazia calor no quarto. E tinha ventilador de teto para espantar mosquito. O que nos obrigava a dormir com coberta.

a menina do didentro

Rapid Eye Movement

De ontem para hoje eu estive numa festa de junkies, fui atacada por uma mulher-zumbi com olhos de vidro que saltou do escuro e agarrou meu braço, estrelei uma novela do Manoel Carlos interpretando ninguém menos do que Capitu e vi gatos mutantes crescerem orelhas de coelho imensas.
Se de analista eu obviamente não preciso mais, alguém conhece um bom anotador de jogo do bicho, por favor?

La fille mal gardée

A Saga do Primeiro Beijo (Post XXVI)

Cinco horas da manhã e nós duas conversando. Combinamos acordar por volta do meio-dia. Ligaríamos para o Kiko, passaríamos na casa do Murilo e sairíamos os quatro. Parecia um bom começo, tanto para as nossas relações de amizade quanto para os possíveis namoricos.
Muito antes do inicio da tarde, fomos acordadas pelo barulho estridente de uma ave que parecia um papagaio. Meus irmãos, empolgados com a aquisição do ser gritante, corriam em volta das nossas camas enquanto a Aruska tentava calar a ave com uma dentada certeira.

- Tira esse bicho de cima de mim!
- É um papagaio! Temos um papagaio! Temos um papagaio!
- E que tipo de droga vocês deram pra ele ficar assim?

Meus irmãos não tinham idade para saber o que eram drogas, mas nem mesmo a pergunta bem humorada da Marilu me fez sorrir naquela manhã. Eu não havia acordado bem e a culpa não parecia ser do papagaio.
Recuperadas do ataque matutino, saímos de casa sem que meus pais fizessem muitas perguntas. Parecia um milagre digno de me arrancar algum tipo de alegria, mas meu humor continuava péssimo. Mal cumprimentei o Murilo. Da casa dele, ligamos para o Kiko, marcamos de nos encontrar em frente ao museu e seguimos nosso destino.
Durante todo o percurso, tive que agüentar o Murilo tentando me dar o beijo interrompido na noite dos meteoros. Um sol infernal, o motorista do ônibus em alta velocidade, a Marilu quieta no banco ao lado e o Murilo querendo conversar, beijar... Minha cabeça parecia que ia explodir. Eu não distinguia mais a minha insegurança daquele mau estar. Me esquivei dos beijos, mas segurei em sua mão na tentativa de buscar algum conforto. Ele deve ter compreendido o gesto como um sinal afirmativo do namoro e me deixou em paz.
Quando chegamos no MAM, as coisas pioraram. O Kiko e a Marilu perceberam o meu estado e acharam que era melhor manter distância. Àquela altura, eu já estava agressiva.
Todas as alamedas, aquela exposição e as pessoas a nossa volta só aumentavam a minha indisposição. Murilo não sabia mais o que fazer e, na tentativa de não estragar o dia de todo mundo, sugeri que saíssemos do museu e caminhássemos um pouco pelo parque.
Em busca de sombra e água fresca, paramos próximos ao lago e ficamos conversando. O bate-papo descontraído e a brisa fizeram com que eu me animasse um pouco, o suficiente para que o casalzinho feliz me deixasse a sós com o Murilo novamente. Ele, por sua vez, voltou a insistir no beijo e eu, exausta de tanta resistência, deixei...

"Ok, vamos lá. É só um beijo. Já treinei beijo de língua na minha mão, em frente ao espelho e com uma maçã. Não há o que temer. Hum...beijinho roubado bom! Mas e agora? Não me olhe desse jeito... Vem, eu deixo você me beijar... Ah, bom. Pensei que tivesse desistido. Você não deve saber disso, mas beijar meus lábios com a minha aprovação também está bom. Abraço bom... Opa! Estranho... Iu! Que língua é essa? Precisa enfiar esse troço na minha boca com tanta força? Ai meu dente! Ok, está tudo bem. Foi só uma arranhadinha. Acontece. Mas será que podemos voltar aos beijinhos? Hum, passar essas mãos pelo meu rosto e cabelo está muito bom... Mas e eu? O que eu faço com as minhas? Vou deixá-las aqui nos seus ombros antes que eu faça bobagem. Uma coisa de cada vez... Não! Babação não! Não vou pensar na troca de micróbios, não vou pensar na troca de micróbios, não vou pensar na troca de micróbios... Este é o tipo de nojo sem cabimento! Caramba, esse menino não deve saber o que está fazendo. Pra que bloquear a minha traquéia? Ar, eu preciso de ar. Ok, ok... Respirar! Eu preciso controlar a respiração e relaxar. Pensamento positivo... Não há o que dar errado. Impossível que eu faça isso pior do que ele. Vamos tentar... Ei, será que eu posso misturar minha língua com a sua? Iu, nada bom desse jeito. Devolva minha língua! Como pode esse menino ser tão cobiçado pelas meninas? Parece um camaleão. Isso não é um beijo, é um bote. O que ele pensa que esta fazendo com o céu da minha boca? Isso faz cócegas e não parece nada nada com o beijo que eu achei que você me daria. Vai me asfixiar, seu imbecil! Ufa, ainda bem. Obrigada, deus! Suave, melhor. Me deixa descobrir com calma como isso funciona. De onde vem essa tontura? Que cara será que ele esta fazendo? Não estou me sentindo bem... E se eu abrir o olho só um pouquinho? E se eu abrir e ele perceber? Duvido. Ele voltou a se concentrar na extração das minhas amígdalas, não deve estar pensando em abrir os olhos. Vou olhar e pronto! Não ria. Não ria, Alessandra! Segure este riso! Não há porque rir. Se esse menino me apertar mais um pouco e o sol aquecer a terra só mais um tiquinho eu vou cair dura e seca nesse chão. Ah, não! Não babe tanto, não babe tanto, por favor... Meu estômago não está legal. Calor insuportável... Quer saber? Chega! Babar mais do que a minha cachorra é um pouco demais para o meu gosto"

Me afastei do Murilo e o "chega" escapou dos meus pensamentos e saiu pela minha boca em voz alta. Eu não estava bem.

- O que foi?

Não soube o que dizer. Olhei para o Murilo, para aquele lugar, para mim e tudo me embrulhava o estômago. Não sabia mais se era o sol ou uma febre. Comecei a transpirar e a sentir o corpo fraco e dolorido. Tive vontade de chorar sem ter a menor idéia de onde vinha aquele monte de sensações e reações. Foi tudo muito rápido. E eu deveria ter chorado, mas nunca ter dito o que eu disse.

----------> Continuará em Amarula com Sucrilhos

Nem tão fechado em si que distante demais do outro e das coisas, uma vez que o outro e suas coisas são, sim e sempre, muito valiosos. Por outro lado, nem tão próximo do outro e suas coisas que te seja possível reparar-lhes todas as nuances, já que o outro e suas coisas, de perto demais, invariavelmente têm manias irritantes, te parecem sistemáticos, emitem ruídos insuportáveis quando comem, dizem e cometem incoerências, defendem inconsistências, gostam de ficar calados quando você quer palavrear tudo, querem bater um papinho descompromissado quando você quer se sentir invisível e assim por diante.

Então, nem um, nem outro, mas numa equidistância suficientemente sutil e fluida que te permita tão somentegostar de gostar do outro e de suas coisas - porque, no final das contas, acho que isso pode te fazer até gostar um pouquinho mais de si.

Da Estrangeiridade